Um dia ele se olhou no espelho como fazia todas as manhãs e, se assustou.
Pudera! Não reconheceu o homem que estava à sua frente.
Realmente era um outro homem.
Ele que nunca dava risadas, viu, frente a si, um homem risonho:
Ele que nunca perdoou, viu frente a si, um homem cheio de virtudes;
Ele que nunca teve uma palavra de carinho, viu frente a si, um homem romântico;
Realmente, pensou, desconsolado: não era ele que estava do outro lado do espelho.
Angustiado e desnorteado, pensou em quebrar o espelho; em destruí-lo com furor;
Pensou também em dar um tiro de garrucha no homem que não era ele, ou era?
Se era ele, por que tinha o semblante leve e feliz se ele era grotesco e infeliz?
Então, teve uma ideia que o fez saltitar de felicidade: Olharia em outro espelho.
Abriu a porta do guarda-roupas e por um instante ficou de olhos fechados.
De olhos fechados pela insegurança de ver desmascarada a sua esperança, ou não?
Lentamente abriu os olhos e constatou um outro homem diferente do primeiro:
Um outro homem que não era ele, pois, este além de estar nu, era bonito, forte, e viril.
Irado, como sempre o foi, se aproximou mais do espelho e vociferou entre dentes:
Desgraçado!, e descarregou a arma sem dó e nem piedade e, passou a gargalhar como louco.
Como louco ele viu a imagem do homem que não era ele sair em desabalada carreira.
Por um fragmento do vidro que ficou, viu, não um homem, mas sim uma mulher nua.
Nua, na cama, estendida, envolta em lençol, sua mulher, lamentava o abandono do amante.
Era um homem sem imagem... Um espectro à vagar sem rumo pelas noites da vida