Não tinha quantidade de alimento que saciasse a sua fome.
Na pequena cidade localizada à beira do rio Pirapitinga ele, sem dúvida, era o mais esfomeado de todos os seus conterrâneos. Por passar tanta fome, vivia como um cachorro abandonado: os ossos perfurando a pele seca da cor de ferrugem e solta nos membros. Também não se vestia a contento: andava sempre com uma calça cáqui sobre a cintura e que não chegava a cobrir as pernas por completo; a camisa amarelada, suja e encardida mal lhe vestia o peito murcho que emendava com o estômago ,ou melhor, com o que parecia ser um estômago, visto que estava sempre coberto por uma tira de pano.
Como todo mundo eu também o alimentava. Invariavelmente, sempre ao meio dia ele aparecia na porta de casa; sentava na calçada e esperava o prato feito com ansiedade fora do comum. Assim que tinha a refeição às mãos, comia com sofreguidão. Em questão de minutos devorava tudo o que ali estivesse: não importava a qualidade da comida; importava sim, a quantidade.
Interessante é, que depois de se saciar ( pensava eu) ia pedir comida em outras casas e, era sempre atendido.
Uma vez, encontrei com dois amigos de bate-papo no café da Dona Élida, o Daércio e o Ovídio e comentei a "fome" nunca saciada do Perivaldo ( o seu nome). Conversa vai, conversa vem e fiquei sabendo que eles também o alimentavam, só que, após o meio dia. Intrigados, combinamos de seguir o "esfomeado" para saber dos seus costumes; pricipalmente o porquê de ele nunca estar satisfeito com as refeições e, o mais curioso: sempre magrela, com aparência de um doente que sofre com o mal da subnutrição.
Uma tarde, após alimentá-lo, passei na casa dos amigos e combinamos de seguir o "morto de fome". Não demorou muito e ele passou apressado frente à igreja Matriz e se dirigiu para o seu rancho que fica nos fundos de uma chácara abandonada. Pé ante pé,chegamos até a mísera tapera que lhe servia de abrigo. Escondidos atrás de um enorme cupinzeiro presenciamos o fato mais inusitado já visto com nossos olhos: Debruçado sobre um cocho onde grunhiam diversos leitões ele sem maiores delongas abriu o pano que trazia enrolado no estômago e puxou a pele que o revestia colocando à mostra um enorme buraco. Com espasmos violentos derrubou ou melhor "vomitou" todo o conteúdo estomacal que foi imediatamente devorado pelos suínos. Olhos esbugalhados contemplei a terrível cena e tive acessos de vômito. Os amigos Daércio e Ovídio, mais fracos, vomitaram copiosamente no chão áspero entorno do cupinzeiro. Assim, compreendi o motivo de ele estar sempre esfomeado: para ter os seus leitões gordos e saudáveis, quando os vendia nas festas natalinas, criou um jeito especial de conseguir a "lavagem" que os alimentavam cotidianamente, embora, em detrimento de sua saúde.
A partir daquele dia, resolvemos não mais alimentá-lo. Passou-se o tempo.
Uma tarde, fomos participados de que o "esfomeado" tinha-se mudado para outro município e, estava se dando muito bem, pois, a "Sociedade das Irmãs do Rosário" da cidade, se comprometeram a alimentá-lo como o melhor que podiam.
Um dia fomos até lá para encontrá-lo. Chegamos na hora do almoço. Como sempre, o amigo Ovídio nos convidou para almoçar na única churrascaria do local. Fomos.
Entre um naco de carne e outro chegou até nós o proprietário que nos confidenciou: " Estão gostando da bisteca? O leitão que assei hoje me foi vendido por um seu ex-conterrâneo: aqui ele é conhecido por "esfomeado" e lá, como era?"
Imediatamente levantamos da mesa, nos dirigimos até o banheiro e vomitamos em grandes golfadas.
Saímos, com convulsões no estômago e, fomos sentar no banco do jardim quando...
Quando passou por nós um homem parecendo cachorro vira-lata: sujo, esquálido e... morto de fome.
quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012
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