A ESCARAMUÇA DO TOURO REQUIÃO
Para se entender esta história comovente do Touro Requião é necessário que voltemos ao tempo... Tempo de seu nascimento, adolescência e maturidade, sem que, nenhum pormenor seja esquecido ou deixado de lado, para então, falarmos, da famosa e temida “escaramuça”.
1. O SEU NASCIMENTO
Requião (teve este nome de batismo ao nascer, devido seu dono, Josenildo Palhares, ter escutado numa noite qualquer, a Hora do Brasil, em seu rádio de pilha a menção ao nome do político do Paraná, Jose Requião. Foi amor à primeira vista e, no dia seguinte, batizou o bezerro pelo nome do político), nasceu do cruzamento de uma vaca da raça Gir, com um touro da raça Guzerá. Do lado materno herdou um porte varonil e, manchas vermelhas pelo corpo e, do lado paterno, a envergadura de um campeão. Desde o seu nascimento até o desmame, teve abundância do líquido alvo, quente e saboroso e, claro, altamente nutritivo. Para ele, era sempre deixado pelo Tonico, o leiteiro do sítio, duas tetas, inchadas, repletas de leite, que ele mamava com sofreguidão. Raramente ele precisava dar cabeçadas no úbere volumoso para que descesse mais leite: Cabreúva (o nome de sua mãe), nunca lhe negou o sustento, ao contrário fazia questão de “esconder” o precioso líquido para que ele mamasse mais tarde, antes do “aparte” dos bezerros, no pasto, para este fim destinado. Assim, sempre tratado com toda a atenção e fartura, ele foi se desenvolvendo, até se tornar um garrote que destoava dos demais de sua idade. Josenildo, tinha-o escolhido para ser futuramente o Touro responsável pela cobertura das dezenas de vacas, que lhe davam diariamente o sustento de sua família ( “batia” 120 litros de leite no “Ponto” do armazém do João Correia), bem como manter as despesas do sítio em dia. Tais despesas diziam respeito ao “trato” das vacas; ao milho das galinhas e porcos e à mão de obra usada para roçar os pastos e, manter, as cercas em dia. Nesta boa vida, Requião, foi encorpando e tomando a forma de um futuro touro emprenhador de vacas, que, quando, ao parirem seus bezerros e bezerras, eles herdariam a sua linhagem. E, assim foi até o seu desmame, ou seja, atingir a adolescência e maturidade.
2. A ADOLESCÊNCIA
Dos dois aos seis anos de vida, Requião, se portou algumas vezes como bezerro e, outras vezes (mais frequentes) como pré-touro. Como era o protegido do rebanho, tinha para si tudo o que a vida no sítio podia lhe proporcionar. As travessuras que fazia: escoicear outros bezerros só por prazer; tentar cobrir nas novilhas e, em algumas vacas; saltitar pelo curral, atrapalhando o descanso dos mais idosos; correr atrás de galinhas para chifrá-las( já despontou os chifres, embora ainda pequenos, herança do Guzerá, seu pai), e, assim por diante. Levava uma vida de príncipe e, como tal era por muitos idolatrados, e, pelos invejosos, odiado. Algumas vezes acontecia de um ou dois desafetos, mais velhos, correr em seu encalço, para espetar os chifres pontiagudos em seu lombo macio e vistoso: sempre, desde pequeno, coberto de pelos luzidios. Quando, os animais eram presos no curral para tomar banho de carrapaticida, ou, para retirar bernes(as larvas eram espremidas com os dedos e pela pressão pulavam para o chão, quando eram comidas pelas galinhas, que as disputavam com avidez), Requião era poupado, pois, nunca abrigou carrapatos ou bernes ou, qualquer outro tipo de peste – sangue bom, dizia, cofiando a barbicha, seu dono, todo orgulhoso. Dessa maneira, vivendo como um nababo, Requião, chegou à fase adulta, quando se transformou num soberbo touro, que enchia Josenildo de orgulho, principalmente, quando vinham fazendeiros e boiadeiros de fora, só para ver o belo animal, visto que, nunca esteve à venda, por mais que oferecessem somas graúdas. Requião, sem margens de dúvidas, era o mais belo Touro das redondezas e, sua fama, já tinha ultrapassado os mais distantes rincões... Fama esta que fez seu nome e, presença, serem odiados pelos demais touros da região.
3. A MATURIDADE
Quando atingiu a maioridade sexual, Requião passou a “cobrir” as novilhas e vacas do sítio. Seus primeiros descendentes provaram que ele tinha a “genética” para originar fêmeas. No início, ele tinha que disputar a cabeçadas e chifradas o “harém” com o touro Ferrabrás, já titular do curral há alguns anos. Muitas vezes ele perdeu a batalha, pois, ainda não tinha a força e malícia para dar cabo de uma boa briga, portanto, vez ou outra, quando Ferrabrás não estava por perto ele se aproveitava e dava suas “trepadas” saindo correndo logo em seguida do seu opositor. Porém, com o passar dos anos ele se encorpou; seus chifres cresceram bastante e tinham as pontas afiadas (ele vivia constantemente os afiando nos barrancos); seu peito másculo era provido de fortes músculos, bem como as pernas que lhe permitiam fincar os cascos no chão e suportar as “marradas” do “velho” touro. Para evitar que se ferisse gravemente, seu amo, achou por bem vender o Ferrabrás e, assim, o fez. Agora, rei absoluto de seu harém, ele passou a ter uma vida mais sossegada e, com requintes de galã, de um Dom Juan, ele passou a seduzir as mais belas novilhas e vacas já calejadas no ato do amor. De suas “coberturas” nasciam maravilhosas bezerras, que um dia se transformariam em excelentes vacas leiteiras e, ocasionalmente, alguns bezerros machos, que eram vendidos a outros sitiantes para servirem de touros, nunca de bois de carro. Com tanta atenção tanto pelo seu dono, quanto pelos sitiantes vizinhos que vinham conhecê-lo e para não perderem tempo traziam suas vacas para que ele “cobrisse”, em troca de alguns mimos para o sítio, começou a gerar uma onda entre os demais touros da região de ódio, inveja e sanha assassina. Alguns mais afoitos chegaram mesmo a derrubar as cercas e chegar até o curral para enfrentá-lo e, quem sabe matá-lo. Só não o fizeram porque o curral era construído com grossas taboas de madeira de lei e, também, pelo socorro rápido recebido do atribulado sitiante. Depois que um touro mais destemido conseguiu fazer um buraco no curral e entrar, travando uma terrível contenda com o nosso herói, do qual o invasor saiu ferido e com o rabo entre as pernas, Requião resolveu tomar uma atitude digna de um General da era Napoleônica e, preparou para seus oponentes que porventura viessem a enfrentá-lo uma terrível ESCARAMUÇA, que o ajudou a permanecer vivo até quando pela idade avançada se aposentou e, foi viver em paz na invernada, no meio de seus filhos e filhas.
4. A ESCARAMUÇA
Cansado de tanto ser desafiado para combates pelos touros invejosos que vinham tarde da noite até o curral para desafiá-lo, ele resolveu se precaver e para isto tomou uma decisão significativa que o manteve vivo, até os seus últimos momentos, quando morreu de morte morrida, por envelhecimento.
Foi o seguinte: Numa tarde em que estava pastando placidamente, acompanhado pelas suas queridas vacas, ele deparou com um barranco, no meio de um carrascal, que ficava escondido dos olhares dos mais incautos e, que, à beira, se descortinava um buraco de uns oito metros de altura, em cujo chão ficavam dispostas pedras pontiagudas. Neste local, ele teve a feliz ideia (era muito inteligente e sabido) de se refugiar quando fosse perseguido por este ou aquele touro mais obtuso (os que lhe perturbavam mostraram ser bem menos inteligente que o nosso herói) e, para que o seu plano desse certo, ele fez com os cascos afiados um pequeno caminho por onde poderia passar sem cair no buraco. Constatado que não haveria falha, esperou até que um marrudo qualquer viesse em busca de sua morte, por um combate, geralmente de madrugada, quando o seu protetor estava dormindo a sono solto. E, aconteceu. Era madrugada alta, quando as vacas estavam deitadas à beira do curral, que o touro Serapião, do sítio mais próximo, chegou e com um coice tremendo, abriu a porteira do curral e se dirigiu igual um bólido desgovernado, com os chifres em posição de combate até o Requião, que, sonolento, mascava uma porção de cana. Assim, que Requião, notou o intruso, deu uma guinada e saiu em disparada até o carrascal onde ficava, escondido , o buraco, ou melhor a sepultura. Com gestos estudados ele se colocou numa posição que oferecia o corpo para os chifres do contendor. Aproveitando esta deixa, o touro enfurecido, abaixou a cabeça e se precipitou sobre Requião para desferir o golpe mortal. Pobre e infeliz algoz, que, não previu a ESCARAMUÇA do nosso gladiador. De um salto magnífico ele saiu pelo caminho feito e, deixou que o seu verdugo se atirasse pelo precipício, indo encontrar a morte nas pedras pontiagudas. Feliz, pelo sucesso da Escaramuça, ele voltou para o aconchego do curral. Quanto ao Serapião, foi encontrado dois dias após a malograda aventura, com alguns urubus pousados em sua carcaça. Tal fato aconteceu com mais quatro touros. Depois que seus algozes foram eliminados, Requião, voltou a ter a paz almejada e merecida.
Requião viveu ainda mais uns 15 anos, cobrindo as vacas do sítio e das redondezas. Pelas contas de seu fiel dono, ele deve ter deixado mais de mil filhos espalhados pelos sítios e fazendas do Estado de São Paulo.
Assim, caro leitor, reproduzi a história que me foi contada pelo seu Josenildo Palhares, sem acrescentar ou subtrair nenhum fato. Fica a seu critério torná-la crível,ou, não.
Caraguá, 01 de maio de 2018-05-02
Aldo de aguiar
quinta-feira, 3 de maio de 2018
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