quinta-feira, 3 de maio de 2018

O ESTRANHO CASO DO PINTOCÍDIO SEGUIDO DE SUICÍDIO

Este caso ocorreu em uma das nossas cidadezinhas do interior, mais precisamente, num pequeno sítio, de propriedade do senhor Josenildo Penaleve, lá pelas décadas de 50 ou 60 e, me foi relatado pelo mesmo, após seis décadas do desenrolar dos incríveis acontecimentos. Bem vamos aos fatos e, após tomar conhecimento você, leitor, deverá, acreditar, ou não.

1. RIBEIRÃO DAS ALMAS – Cidadezinha onde se localiza o sítio.
Bem encravado no sopé de um morro e à margem de um rio que serpenteia indolente pelos campos, localiza-se a Vila de Ribeirão das Almas. É um pequeno município de tantos outros que pululam pelo nosso Estado e, que, abriga, não mais de 700 habitantes na Zona Urbana e mais umas 1.500 almas espalhadas pela Zona Rural. A principal atividade lucrativa do município é a agricultura caseira e a produção leiteira, além, do comércio esporádico de porcos, aves e seus subprodutos.
O sítio Primavera, de propriedade do senhor Penaleve, dista alguns quilômetros da Matriz e, está localizado à margem esquerda da estrada municipal Vereador Filisbino Monteiro, no quilômetro 6, prá quem se dirige para Matosinhos, um município de maiores providências; onde existem a Santa Casa e o Grupo Escolar. O sítio, de 4,5 alqueires, abriga uma casa de 5 cômodos, uma horta, um pomar de laranjeiras e afins e, um galinheiro: o lugar mais amado e frequentado pelo senhor Penaleve. O senhor Penaleve vive com sua família: a esposa Jovelina e, os filhos Marquinho, o primogênito; a Lurdinha e o mais velho, Serafim. Havia também alguns bichos de estimação como o gato Pantaleão e o cachorro de raça indefinida, chamado por todos com carinho de Tição (era preto). De tudo que existia no sítio, como disse anteriormente, o galinheiro era o lugar mais apreciado e cuidado pelo sitiante... era o seu “xodó”.
2. O GALINHEIRO:
Localizado no fundo do terreiro e, ao lado do pomar, margeando pelos fundos com o ribeirão ficava o galinheiro. Era todo vedado com tela de arame e, possuía na entrada um galpão onde ficavam os ninhos dentro dos jacás e pendurados em varas, para esse fim dispostas nas vigas do rancho. O chão era de terra batida e, constantemente forrado de milho (nunca ele permitiu que faltasse o cereal da cor de ouro para suas galinhas, galos e pintinhos), com alguns pés de vegetação não muito alta; o suficiente para abrigar os pintinhos do sol e, claro, de protegê-los, das aves carnívoras (gavião e falcão). A paz, tão necessária para o desenvolvimento dos pintainhos em frangos, reinava dentro do galinheiro e, todo dia se transformava num espetáculo digno de ser contemplado: as dezenas de galinhas cantando após botarem seus graúdos ovos de casca vermelha; os galos ciscando e fazendo rodeios em torno das matronas e das frangas – lindas beldades – e, os pintainhos circulando livremente pelo terreno, no esplendor de suas vidas. De todas as galinhas carijós, índias e mestiças, a de que ele mais gostava era da sua querida Hermengarda.

3. HERMENGARDA
Hermengarda era uma galinha carijó de plumagem bela, com penas rajadas e penugens claras. Suas asas eram grandes, próprias para abrigar os seus rebentos a cada vez que chocava 10 0u mais ovos. Era incansável na postura dos ovos e, os mesmos, eram sempre galados, pois exercia uma estranha atração sobre os galos que reinavam no galinheiro. Ora ou outra ele era “galada” por um galo Índio, ou, por, um galo carijó. Recusar mesmo, ela o fazia quando era insistentemente cotejado por um galo da raça garnisé, ou por galo peva, isto quando não dava fortes bicadas em galarotes, que a incomodavam com investidas galantes, mas, que, ainda não estavam maduros, sexualmente. Hermengarda, pelos cuidados de seu dono Penaleve, podia-se dizer sem medo de errar, que era a rainha do galinheiro e, ela, sabia disso, pois adorava circular pelo cercado, com o pescoço erguido, sempre acompanhado de seus pintainhos e rodeado pelos seus fãs. Durante estes passeios ela sempre emitia maviosos “cocoricós”, acompanhado dos “pius-pius” dos irrequietos pintainhos; alguns amarelos, outros carijós e alguns pretinhos (às vezes era “galada” pelo Tsiu, galo preto e, atrevido). Tudo transcorria às mil maravilhas> Sempre aos sábados o senhor Penaleve, colhia os ovos da semana e com alguns frangos tendo os pés presos em palha de milho trançada, ele arreava o seu cavalo baio e ia até a Vila vender as mercadorias. Terminada as vendas ele passava pelo mercado e comprava as encomendas de sua querida mulher Francelina. De um tempo para cá ele passou a notar quer Hermengarda ficava irrequieta e aflita, quando ele levava os frangos para vender. Ela corria pelo galinheiro e, atacava quem dela se aproximasse... parecia que tinha ficado louca e, isto, deixava o senhor Penaleve com a “pulga” atrás da orelha. Todas as vezes que este fato aconteceu ele deixou “prá lá”, até o dia em que se deu o Pintocídio...

4. O PINTOCÍDIO SEGUIDO DE SUICÍDIO
O estranho fato o qual chamaremos de “pintocídio seguido de suicídio”, se deu após um final de semana em que muitos ovos foram colhidos e 6 frangos graúdos foram retirados do galinheiro, para serem vendidos na Vila. Na segunda-feira, Penaleve, ao adentrar no galinheiro, notou que as suas aves estavam caladas, moribundas, e, em grupos, se escondiam por sob os arbustos. Parecia que o galinheiro, sempre, repleto de vida, agora, parecia um cemitério. Intrigado ele foi até o galpão onde ficavam os ninhos para a postura dos ovos e posterior choco, quando, horrorizado, ao examinar o ninho da Hermengarda que estava em final de choco (esperava ele que nascessem 12 pintinhos), tendo os olhos esbugalhados, contemplou a terrível imagem: os pintinhos estavam todos mortos. Foram sacrificados pela Hermengarda com terríveis bicadas nas pequeninas cabeças. Olhando mais para cima, deparou com a sua querida Hermengarda com o pescoço enfiado num dos buracos da tela de arame, nos últimos estertores da morte... Morte, esta, por enforcamento. O que aconteceu, ele deduziu, após, muito coçar a cabeça e chorar baixinho, foi que a sua querida Hermengarda, não suportando mais, ver seus rebentos crescer, belos e esbeltos, serem aos sábados, mercadorias que seriam vendidas no mercado e, claro, (ela sabia) serem mortos e degustados nos almoços de domingo. Inconformada do trágico destino de seus filhotes, ela resolveu matá-los e, depois, num ato insano (ou de heroísmo?), ela se enforcou, tirando sua preciosa vida.
– Foi isto que aconteceu, nem mais, nem menos –, disse-me o sitiante Penaleve, quando nos conhecemos na Feira da Barganha, em Taubaté, passados muitos anos após o estranho fato.
O amigo leitor poderá acreditar, ou não. É problema, seu. Eu garanto a vocês, que acreditei e, até deixei de lado o frango assado que minha querida companheira Diná, me preparou para o almoço de domingo... só neste domingo.
ALDO DE AGUIAR
CARAGUATATUBA – PRAIA MARTIM DE SÁ
31 DE ABRIL DE 2018 – 11:30H


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