terça-feira, 18 de maio de 2010

O LIVRO DO DESASSOSSEGO - FERNANDO PESSOA - 197. pg 204

Sinto o tempo com uma dor enorme. É sempre com uma comoção exagerada que abandono qualquer coisa. O pobre quarto alugado onde passei uns meses, a mesa do hotel de província onde passei seis dias, a própria triste sala de espera da estação de caminho de ferro onde gastei duas horas à espera do comboio - sim, mas as coisas boas da vida, quando as abandono e penso, com toda a sensibilidade dos meus nervos, que nunca mais as verei e as terei, pelo menos naquele preciso e exacto momento, doem-me metafísicamente .
Abre-se-me um abismo na alma e um sopro frio da hora de Deus roça-me pela face lívida.
O tempo! O passado! Aí algo, uma voz, um canto, um perfume ocasional levanta em minha alma o pano de boca das minhas recordações... Aquilo que fui e nunca mais serei! Aquilo que tive e não tornarei a ter! Os mortos! Os mortos que me amaram na minha infância. Quando os evoco, toda a alma me esfria e eu sinto-me desterrado de corações, sozinho na noite de mim próprio, chorando como um mendigo o silêncio fechado de todas as portas.

Sempre, Fernando Pessoa, a me fazer sentir nostalgia. É impossível querer ser poeta sem amar a " tristeza" de Fernando Pessoa. Faz-me bem ler e cultuar este magnânimo poeta. Um dia, bem o sei, visitarei as plagas que o poeta percorreu. Serei infinitamente feliz em respirar o ar que ele respirou; caminhar pelos becos e vielas por onde ele andou... Um dia, quem sabe...

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