quarta-feira, 22 de junho de 2016

O HOMEM, O CACHORRO, O GATO, O PARDAL E A MINHOCA ... UMA TRAGÉDIA EM 3 ATOS

ATO I

UMA MINHOCA espevitada resolveu sair de seu buraco. Como uma contorcionista de circo russo ela num salto acrobático se viu livre num solo arenoso. Rebolando o corpo esbelto e afunilado ela se pôs em cambalhotas a deslizar pelo chão e, quando deu por si, estava à beira de uma estrada asfaltada.
Como uma dançarina inconsequente ela deu duas cambalhotas espetaculares e caiu de bruços ou, de lado, no asfalto liso e ardente. Imediatamente, certa do perigo que corria ela se contorceu em infinitas contorções do corpo esguio e molhado para sair da armadilha em que tinha caído por ser indômita. Com tantos requebros pelo ar o que realmente ela conseguiu foi atrair um pardal que estava tranquilo repousando numa placa de sinalização.

O PARDAL, no início não deu a mínima para o objeto que rastejava e pulava no asfalto fervente, mas, depois de alguns segundos, firmando mais os olhos, pôde ver que à sua frente se apresentava um suculento manjar e, diga-se de passagem, às 10 horas da manhã, horário em que seu estômago vivia a lhe cobrar uns petiscos. Incrédulo pela visão celestial que se descortinava à seus olhos, deu um voo rasante e se postou ao lado da infeliz contorcionista. Com uma bicada certeira segurou o apetitoso "churrasco" e, num outro voo rasante foi pousar no chão arenoso do acostamento da via, ao lado de um arbusto que lhe proporcionou uma sombra fresca e, calmamente, se pôs a degustar a deliciosa refeição.

O GATO rajado e sujo estava dormitando sob o arbusto quando foi acordado subitamente pelo chilreio do pardal que se deliciava com o inesperado petisco. Assim que ele abriu os olhos sonolentos viu-se defronte à avezinha que ocupada com o manjar não o presenciou,isto é, não se deu conta do perigo postado à sua frente. O gato, não se fez de rogado e com um gracioso salto prendeu o pardal em suas garras e pôs-se a devorá-lo com requintes de um rei. Terminado o delicioso almoço, o bichano se espreguiçou e, saiu da moita e foi deitar numa relva que recebia bastante raios do sol.

O CACHORRO vinha caminhando pelo acostamento, com o rabo dentre as pernas (tinha acabado de levar uma sova do Pit Bul frente ao armazém do Zé doido) quando deparou com o gato dormindo e ressonado como um anjo na grama verde e macia que fazia limite com o acostamento. De quando em quando o gato soltava um arroto e, em seguida lambia os beiços e coçava os bigodes, mostrando a satisfação gástrica de que estava tomado. Não acreditando no presente de deus que lhe assomava aos olhos remelentos e vítreos o cão sem maiores delongas saltou sobre o bichano e assim matou a sua fome de muitos dias. De barriga cheia o feliz felino foi descansar ao pé de uma árvore que lhe proporcionou uma ótima sombra.

O HOMEM estava lenhando e no exato instante em que o cão foi deitar-se sob a sombra frondosa, ele chegou com seu machado e se irritou com o o fato dele lhe arreganhar os dentes e, sem nenhuma contemplação ou dó, deu-lhe uma machadada dentre as orelhas, postando-o, morto, deitado sobre uma poça de sangue. Com movimentos lentos, porém, firmes, ele retalhou o infeliz cão com seu facão e, após acender uma pequena fogueira, colocou a anca do canídeo para assar. Pacientemente esperou por hora e meia e, então, com prazer desmedido, comeu a carne tenra e assada acompanhada de goles de pinga.

ATO II

O HOMEM, após descansar e alisar a barriga cheia das carnes dos animais envolvidos na "tragédia" e, secando a garrafa de pinga em longos tragos,
saiu, cambaleando e, num cambaleio sem controle, acabou entrando na estrada asfaltada; uma via de grande movimento de veículos, principalmente carretas carregadas de eucaliptos. O atropelamento foi inevitável. Uma carreta, ou melhor um bólido desgovernado o atingiu em cheio, jogando-o pelos ares, indo estatelar-se no acostamento. Imediatamente, assim que parou o veículo, o motorista foi socorrê-lo, mas, tudo em vão. O que deixou o motorista mais assustado (contou ao delegado) foi que antes de morrer a vítima vomitou um pedaço de minhoca; uma asa de pardal; um rabo de gato e uma perna de cachorro.

ATO III

No enterro do infeliz andarilho o povo da pequena Catirana, que estava no cemitério, ficou amedrontada quando sobre alguns túmulos dançavam os seguintes animais: Uma minhoca, um pardal, um gato; um cachorro e, sobre a capela, um vulto, com uma garrafa de pinga na mão.

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