domingo, 9 de outubro de 2016

A CARTA!


A tempestade se amainou;
A enxurrada se avolumou;
O céu voltou ao seu azul intenso;
As aves voltaram para suas revoadas...

A enxurrada descia com intrépidos a sarjeta suja;
O barro deslizava como serpente pela rua estreita;
Um gato rajado eriçou os pelos e pulou a sarjeta;
Um bêbado rodopiou como bailarino e caiu na lama.

A chuva, outrora, caudalosa; agora, apenas uma garoa;
O sol, uma mancha dourada, dentre as nuvens cinzentas;
Os passantes, passavam com os pés enlameados e frios;
A paisagem que se descortinou era um "Matisse".


No cimo do morro uma jovem soltou um barco na água turva;
O barco, no início, pareceu adernar e, sumir, nas vagas;
Um vento brando, salvou-o e o colocou firme, a navegar;
O bólido branco como uma pérola desceu a sarjeta em volteios.

Por um segundo, ou, uma eternidade para quem ama com loucura,
O barco, molhado, com as velas rotas, com o leme quebrado,
Chegou ao seu porto; o seu destino: as minhas mãos sôfregas.
Oh!, barco que em instantes se transmudou em uma carta de amor...

Pálido, encharcado pela tempestade, ajoelhei-me, na febril enxurrada,
E, febril, permiti que meus olhos esbugalhados, embaçados, a lessem,
Sim, a lessem, embora muitas palavras estivessem apagadas e ilegíveis,
Apenas garranchos, do que há pouco, foram símbolos belos e legíveis.

Palavras, garranchos... Uma mensagem que me fez desmaiar na enxurrada;
Uma declaração que me fez subir aos céus e me sentir um querubim;
Um consentimento que me fez arder em desejos e loucas seduções...
Lê-la, demorou uma eternidade e, quando cheguei ao final, urrei de felicidade:
" Querido, eu te amo e, quero ser tua, somente tua... para sempre, TUA!"

A enxurrada, não mais de águas sujas, mas, sim, de águas cristalinas,
Escorria com destino ao rio, ao mar, deixando-me o BARCO, a CARTA...
A enxurrada só secou, quando secaram as minhas lágrimas de felicidade.
Numa poça de água cristalina um pardal se banhava...





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