segunda-feira, 19 de setembro de 2011

EM GALHO DE JATOBÁ CACHORRO NÃO FAZ POLEIRO




A odisséia de brinquinho, cão vira-lata pardacento e surdo de um ouvido teve início quando o seu dono Flausino Pimentel me convidou após uma rodada de truco para no próximo domingo à noite caçarmos tatu na mata de propriedade do Sargento Pafúncio Crisaldo. De imediato, disse sim. Fazia tempo de que eu queria me embarafustar nos capões de mato para buscar um ou dois tatus que a minha patroa Crisálida sabia preparar com muito apreço. A carne do animal silvestre ficava tão deliciosa que era impossível degustá-la sem lamber os dedos e o beiço. Ainda mais quando era acompanhada da famosa cachaça “Suspiro de Donzela”, fabricada no engenho do major Porfírio Presoto por encomenda. Não existia nas prateleiras dos botecos. Era coisa fina. Uma tentação de dar nó nas tripas.
Marcado o dia passamos a combinar o que levar para matar a fome na noite enluarada. Combinou-se que a patroa do Flausino, Dona Cabriola Pimentel se encarregaria de preparar a matula.
Domingo chegou como qualquer outro: dando uma preguiça gostosa no povinho de Santo Antão do Mato Dentro. Após a missa na matriz e ter escutado com devoção o sermão do padre Juracy Ratino, fui para o bar do Pedrão dentuço onde me encontrei com o famoso caçador de tatus e, juntos, combinamos os últimos preparativos para a incursão na mata do Sargento aposentado da milícia. Papo vai e papo vem quando se instalou na mesa o soldado Catalão Paraense ( veio do Pará) e sabendo do nosso intento pediu para se juntar a nós. Pelo seu porte de vagão de trem, mais a peixeira na cinta foi um “pulinho” até nós concordarmos. E, assim, estávamos prontos para a grande aventura.
A Lua teimosa em aparecer atrás dos morros não testemunhou os nossos preparativos. Assim é que ela não viu quando eu tirei a minha VEMAGUETE da garagem ( suas portas abriam para à frente) e me dirigi até a praça onde os caçadores já me esperavam. Num relance adentraram no veículo, sem antes, porém, colocar o brinquinho no porta-malas. Sacolejando pelas estradas de terra fomos, empolgados pela certeza de que traríamos pelo menos uns dois ou três tatus: a confiança no cão vira-lata era o estopim para a nossa alegria. Quando chegamos ao local apropriado para iniciarmos a caçada, parei o carro abri o porta-malas e soltei o intrépido sabujo. Imediatamente o seu dono ordenou-lhe para que fosse desentocar os tatus e arrematou: “ Assim que ele cheirar um tatu ele desembesta atrás dele e o entoca. Então nós vamos atrás, guiados pelos seus latidos. Depois é só desentocar o bicho e zás... panela nele.”
A explicação foi tão convincente que já antevi o meu prato repleto da carne vermelha e saborosa. Mas...
Mas, o nosso sabujo não fazia tenção de sair correndo pela mata escura. Ficou sim, deitado sob o carro ganindo baixinho. Por várias vezes o caçador Flausino instigava o vira-lata para se enfurnar dentre a escuridão sombria em busca dos animais silvestres. Tudo em vão. O famigerado brinquinho não dava a mínima. Assim, neste impasse, passaram-se as horas. Quando eu ia propor de voltarmos para casa aconteceu o inusitado. O soldado Catalão Paraense agachou sob o carro e resmungando igual uma Maria Fumaça pegou o pobre vira-lata pelo rabo; volteou-o pelos ares algumas vezes e quando achou que o bólido tinha atingido a velocidade necessária soltou do rabo arremessando o cão tatuzeiro umas quarenta braças pela mata adentro. ´´É imperioso falar do sofrimento do amigo Flausino. Até as quatro horas da madrugada ficou berrando, chamando o seu nobre cão. Cada berro que dava soltava um lamento. Que triste cena eu contemplava: Flausino chorando chamando o seu cão e o soldado Catalão rindo e soltando pragas para que o cão sofresse dores atrozes em paga de sua covardia. Já desanimado de tanto esperar liguei a VEMAGUETE e chamei os caçadores para irmos embora. Flausino retrucou: “ Vou embora, mas, amanhã voltamos para buscar o meu amigo”. Com sono, nada mais me restou, a não ser, concordar.
Não voltamos uma vez, mas sim, três vezes. Foram três tardes à procura do brinquinho. Quando já estávamos pensando em desistir ouvimos um latido fraco no alto de um Jatobá secular. Com muita dificuldade, visto a árvore estar cercada de cipós e folhagens, vislumbramos o pobre vira-lata agarrado com as unhas e dentes no galho mais alto do espécime.
O resgate durou quatro horas e depois de exaustos e suados tendo os braços lanhados pelos espinhos da vegetação adjacente conseguimos trazer o cão até o chão.
Foi uma festa de arromba. Flausino beijava e acariciava o pequeno cão com frenesi e, o cão, retribuía ganindo baixinho.
Assim, terminou a odisséia do cão vira-lata brinquinho, que depois desta mal sucedida caçada nunca mais se aventurou pelas matas das cercanias.
De tudo isto ficou um hábito do cão tatuzeiro, de chamar a atenção dos moradores e visitantes da boa terrinha de Santo Antão do Mato Dentro:
Quando a tarde se despedia dando lugar às brumas da noite, brinquinho procurava o pé de laranjeira e subia em seus galhos indo ocupar o galho mais alto, quando com um uivo ameaçador espantava o galo carijó Belarmino, ocupando o seu trono.
Uma vez quando fui à sua casa, indaguei ao amigo Flausino o porquê deste estranho hábito. Ao que rindo me respondeu: É amigo, brinquinho acha mais seguro fazer poleiro em galho de laranjeira, do que nas alturas, em galho de Jatobá.”E, rindo, fui até a cozinha tomar um martelo da deliciosa cachaça “ Suspiro de Donzela”, cuja garrafa estava bem escondidinha no meio de um feixe de lenha

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