quinta-feira, 15 de setembro de 2011

EM TOCA DE JAGUATIRICA PREÁ NÃO ENTRA





Frenegildo Freitas apareceu em Cordoália das Neves em uma noite de escuridão total. A Lua estava em greve. Já por vários dias ela não dava sinais de vida. Os pacatos moradores da Vila evitavam sair à noite para não terem maiores transtornos com algum gatuno, ou então, alguma alma penada, visto que o cemitério “Recanto da Saudade” ficava bem próximo da praça principal. Uma hora ou outra, um mais afoito percorria as ruelas vazias e escuras com passos apressados em busca do abrigo que pudesse protegê-lo dos perigos escondidos nas sombras da noite. Muito raro era encontrar um casal de namorados sob a proteção de uma marquise se entregando às delícias do amor. Foi nesta condição que Frenegildo aportou com seus parcos pertences na pensão “ Prato Feliz” de propriedade da viúva Bresália Fortuna. De imediato a matrona tentou induzi-lo a procurar outro local para ele fincar pé, mas, depois de ouvir a sua ladainha ela se condoeu e preencheu o livro de registro de hóspedes dando-lhe o quarto ao lado do único banheiro do imóvel. Por esta noite e as duas consecutivas Frenegildo não deu as caras na rua. Tratou sim, de descansar o corpo moído pela viagem no lombo do burro Praxedes. Só depois que sentiu o corpo e os músculos em ordem e, principalmente as pernas é que ele deu ares ao povinho do lugarejo. Sem maiores preâmbulos chegou ao bar “Alvorada” ; sentou-se num banco e pediu um martelo da melhor pinga da região. De imediato, a negra Alfonsina lhe serviu a bebida. Talagada vai, talagada vem e ele indiferente ao movimento do bar e da rua se pôs a mordiscar um palito de fósforo e sem maiores preâmbulos cuspia a saliva pegajosa e escura no piso sujo e encardido do bar. Neste ínterim deu entrada no boteco o anão Gurupita Pedregoso. Desde que o circo “Uma noite em Moscou” retirou os trapos de lona da cidade, o anão resolveu ficar instalado numa das casas da rua “Pintão AthaÍde”, onde o recebeu com carinho a donzela Tetê Carneiro já entrada na casa dos sessenta anos( Nunca se casou, por isto era tida por todos uma donzela). Bem, num piscar de olhos, o intrigante anão perguntou à queima-roupa para o Frenegildo o que ele fazia de melhor. O nosso herói ( ou quase) respondeu sem embaraço algum de que ele era campeão em rabo-de-arraiá. “Rabo-de-arraia?”. Perguntou espantado o gorducho anão. “Isto mesmo”, respondeu Frenegildo sem se dignar a abaixar os olhos e fitar o pobre anão. Como um rastilho de pólvora aceso a notícia percorreu todos os becos; buracos; ruelas; barracos; casas e até mesmo o cemitério se viu tomado pela notícia bombástica a ponto do coveiro Pestanildo declarar feriado no campo santo.
Por uns meses Frenegildo gozou de sua reputação de briguento imbatível em rabo-de-arraia. A primeira demonstração de sua habilidade “rabista” aconteceu numa quermesse na fazenda do Major Fragata. A festa ia de vento em popa quando um valentão cismou de passar a mão nas curvas da donzela Nenê Pintassilgo; moçoila dos seus dezesseis anos e cheia de fricotes. Com gritinhos estridentes ela chamou a atenção do Frenegildo que sem perguntar isto ou aquilo, aplicou um rabo-de-arraia no galanteador que, sem despedir do Major voou por sobre as barracas e foi aterrisar no curral de bezerros, onde ficou a noite inteira e só acordou para mamar nas tetas da vaca Favorita e desde então passou a berrar como um garrote desmamado. A fama de “rabista” de Frenegildo correu o sertão. Tornou-se imperioso conhecer o mais famoso aplicador de rabo-de-arraia das redondezas.E, assim, desfrutando de sua habilidade com as pernas ele foi vivendo e levando a vida em calmaria, até que...
Até que um dia também aportou em Cordoália das Neves um sujeito esquisito. Era esquisito por completo, tanto na carcaça, quanto no gênio. Tinha o corpo disforme. Era pequeno nas partes baixas e avantajado nas partes altas. A pele não tinha classificação de cor: ora era escura; ora era negra; ora era parda, mas, nunca branca. Parecia até que era um camaleão disfarçado de gente. Tinha os olhos encavados no rosto e nunca, mas nunca mesmo brilharam por alguém ou algum fato. Eram frios como os olhos de um urutu. Sisudo, não trocava palavra à toa. Só cuspia, por assim dizer, algumas palavras para o gasto. Quando chegou num dia chuvoso na praça Albertine no ônibus das quinze horas sentiu que estava pisando no lugar certo; na terra onde deitaria morada até que a morte o levasse para outra vida melhor. E, assim, Pretonildo Pacífico deitou amarras na bucólica cidade e, abriu o bar “ URRO DE LEÃO” na rua Cizino Freitas, número 65.
No começo das atividades comerciais o bar vendia bebidas e belisquetes e, atendia a freguesia que gostava de dar umas e outras talagadas, sempre acompanhadas de comentários jocosos e atrevidos. Passado algum tempo o enigmático comerciante passou a abrir o bar somente após as dezenove horas e instalou sobre o balcão uma lâmpada vermelha e enfeitou as paredes com papel celofane também vermelho. Com alguns golpes de marreta derrubou as paredes de um cômodo e instalou no canto uma sonata e, para terminar, encheu de garotas atrevidas, vindas todas da capital. No início foi um banzé dos diabos, A sociedade Cordoaliense botou a boca nos trombones. Mas, tudo em vão, mesmo por que o frequentador mais assíduo era o Doutor Delegado Josenildo Paranhos. De nada também adiantou os reclamos do padre Pedregoso e dos coroinhas. Pontualmente, às sete horas da noite, a luz vermelha se acendia e a imoralidade reinava dentre as quatro ou mais paredes do bar “URRO DE LEÃO”.
Para resolver o impasse a Sociedade Irmãs do Espírito Santo, constituída pelas abonadas e gorduchas matronas Cordoalienses se reuniu após muita discussão chegaram a conclusão de que só uma pessoa poderia devolver a moralidade à cidade: FRENEGILDO FREITAS e seu rabo-de-arraia. Conversa vai, conversa vem e convenceram o nosso herói( será?) a tomar atitudes com o imoral Pretonildo, que, argumentaram: “Com um rabo-de-arraia bem aplicado ele voa para outras bandas e deixa em paz nossos maridos.” Dito e feito.
A noite ainda estava capengando quando Frenegildo aportou no bar “URRO DE LEÃO”e, peremptoriamente gritou: “Nêgo do satanás, sai da toca que aqui tem homem pra te mandar pros infernos.” As últimas sílabas de “infernos” ainda estavam no ar, quando saiu em mangas de camisa e calção de brim azul o disforme mortal. Cumpre avisar o amigo leitor que ele tinha passado sebo de carne de bode velho nas pernas que além de deixá-las luzidias também as deixavam terrivelmente escorregadias. Este artifício foi a “pedra no caminho” do “rabista” Frenegildo ( só mesmo o inigualável poeta Drumond para entendê-lo).
De um salto mirabolante Frenegildo aplicou o golpe. Mas, que decepção. Caído no chão sujo do bar o “rabista” contemplava o seu rival em pé e ainda rindo em gargalhadas. Não desanimou e tentou se levantar para aplicar outro golpe, quem sabe o mortal, mas, ficou só no intento, pois, sem dar uma palavra; sem avisar o energúmeno aplicou-lhe um bofetão no pé da orelha esquerda, para em seguida dar-lhe um pontapé nas partes baixas deixando-o desmaiado e sangrando pelas ventas. Coube ao anão Gurupita Pedroso arrastar o moribundo pelas calçadas até a pensão “Prato Feliz” onde ele permaneceu desmaiado e acamado por vários dias. Quando numa bela manhã de setembro a passarinhada fazia algazarra na laranjeira ele acordou e foi interpelado pela senhoria Bresália Fortuna, que, sem dó nem piedade perguntou: Frenegildo você vai voltar no bar “URRO DE LEÃO” para lavar sua honra”?
Com os olhos esbugalhados e num esgar de dor respondeu: “ Eu tô louco por acaso? E, arrematou: EM TOCA DE JAGUATIRICA PREÁ NÃO ENTRA.” E, desabou num sono secular.

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