terça-feira, 8 de setembro de 2009

O Velho, o ouro e as suaves parcelinhas

Todo dia, sempre às 8 horas da manhã, lá estava ele em seu ponto de trabalho. Por alguns dias me quedei no banco da praça por algumas horas contemplando-o em sua labuta diária. Foi então, nestas horas de muda contemplação que pude conhecê-lo melhor e o seu trabalho.Deve ter uns 80 anos de vida, isto pude deduzir pelo andar lento e arrastado; pelos cabelos excessivamente brancos; pelas costas curvadas; pela voz débil e entrecortada quando oferecia o produto do qual tirava o seu mísero ganho: é um ancião, deduzi, trabalhando árduamente de sol a sol ou, de chuva a chuva, sempre no mesmo pedaço do calçadão, frente a uma lanchonete onde raras vezes ia tomar um cafézinho e comer uma coxinha até o meio dia quando sentado no único banco do calçadão tirava uma marmita e parecendo envergonhado devorava com rapidez o conteúdo que o alimentaria pelo resto do dia. Seu trabalho? Carregar sobre o corpo um cartaz que propunha para quem precisasse dispor de ouro a compra do mesmo. Que paradoxo brutal: Um ancião sem eira nem beira, oferecendo-se para comprar ouro, embora soubesse que o comprador era outro, quem sabe um turco abastado ou um dos tantos judeus que ficavam perambulando pela praça à procura de um negócio fácil; que rendesse uma certa quantia de mão beijada. Nesta manhã, não importa a data, vi aproximar-se dele uma senhora de costas curvadas e cabelos brancos: uma anciã. Curioso, aproximei-me do casal quando pude notar que o velho lhe entregou um cartão, e pelos modos como gesticulava, deduzi que estava explicando onde ficava o endereço do "real" comprador do metal amarelo. Assim que ela se pôs a caminhar resolvi segui-la ( um impulso que não pude controlar) e, por alguns minutos caminhamos por algumas ruas centrais até uma porta semiaberta onde tinha um senhor sentado atrás de um balcão. Sobre o balcão ficava uma balança de precisão, um caderno e lápis e nada mais. Chegamos juntos. Sem titubeios a velha senhora com a voz entrecortada de emoção se dirigiu ao austero senhor e perguntou à queima roupa:
- É aqui que a gente vende ouro?
- É aqui mesmo, respondeu o arguto senhor - A senhora quer vender o quê?
- São duas alianças; uma minha e outra do meu falecido marido...
- Só alianças?, a senhora não trouxe mais nada? - inquiriu-lhe o judeu (pelos modos febris e sorriso matreiro, deduzi que era judeu e, acertei).
- É o único bem que possuo... é um par de alianças que nos acompanhou pela vida toda...
- Tudo bem! Não precisa explicar... vou pesar e digo o quanto posso pagar.
Neste momento, sentindo um nó na garganta perguntei à idosa senhora o motivo dela estar vendendo jóias tão preciosas e significativas para ela. Lágrimas começaram a brotar dos emaciados olhos quando ele me fitando se pôs a responder:
- Meu filho, há uns meses atrás o meu neto que mora comigo me pediu que lhe desse de presente de aniversário uma bicicleta que ele já tinha procurado e encontrado nas Casas .... Com o coração disparado e os olhinhos molhados de lágrimas me fez prometer que a compraria no dia de seu aniversário...
- Tinha que ser uma bicicleta nova?, perguntei, apenas por perguntar.
- Pois é seu moço, ele queria a que tinha visto, além do mais, a diferença de uma nova para uma velha é pequena. Assim, quando chegou na véspera de ele fazer anos, fui até as Casas ... e convencida pelo vendedor que me assegurou que eu ia pagar o restante, fora a entrada, em "Suaves parcelinhas", comprei-a e fiz um carnê em 10 "Suaves parcelinhas", como também é anuciado na televisão.
- Ah, exclamei... As famosas " Suaves parcelinhas"... nada mais que propaganga enganosa.
- ... Bom, pra encurtar a história não consegui pagar 5 suaves parcelinhas e as Casas ... me avisaram que vão buscar a bicicleta... Por isso estou aqui vendendo minhas alianças...
- Minha senhora, disse o judeu, posso pagar $... , serve para a senhora?
- Só isso?
- Já estou pagando mais do que elas valem...
- O que o senhor sabe do valor delas? Por acaso o senhor sabe o que elas significam para mim?
- É pegar ou largar... ainda tem esse senhor para atender.
- Tá bom! Fazer o quê...
_ E o senhor o que deseja? disse, sem olhar para mim; pois não tirava os olhos das notas que ia contando para entregar a infeliz anciã.
- Eu?
- É, o senhor mesmo.
- Eu, respondi vermelho de raiva, quero que o senhor; as "Suaves parcelinhas" e as Casas...
vão arder no fogo do inferno... E , saí, andando sem rumo, sem olhar para trás.

3 comentários:

  1. Que lindo!Foi este poeta sensivel e humano que eu exatamente neste dia 9 de setembro conheci através de uma declaração de amor .Dia exatamente como o de hoje.Chuvoso,nostalgico mas,explêndidamente maravilhoso.É esta
    sensibilidade que o torna diferente e especial.

    Andorinha livre

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  2. Ouro, Parcelinha, quero que tudo va para o mesmo lugar que o sensivel poeta mandou... de onde nunca deveriam ter saido. Antigamente (1960-1964)quem emprestava dinheiro a 3 ou 4%ao mes era um agiota,e, foram reprimidos pela revolucao, hoje os cartoes de credito 10-12%am Bancos 7-10%am, lojas de parcelinhas a 5%am, sao eligoados como bom administradores, ganham mais com as parcelinhas do que explorando o proprio comercio
    E isso ai, va mesmo para aquele lugar....
    Tchau
    Laercio

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