Era uma alma andarilha.
Quando a conheci estávamos perambulando por alamedas escuras, sujas e pedregosas. Eu, já estava há uma eternidade, seguindo por caminho incertos que nunca me levariam a lugar algum. Ela, pior do que eu, me confessou que estava perambulando antes mesmo dos egípcios construírem suas pirâmides. Por um tempo que não sei precisar, caminhamos juntos. Horas e horas, de cabeças baixas seguíamos sem bússola, portanto, sem norte, à procura do nada. Quando cansados procurávamos as pedras que margeavam o caminho para repousar do sono que não tinha; ela, me imitava e, sem qualquer cuidado se esparramava no pó sujo e pegajoso do leito esburacado e se cobria com a névoa da madrugada fria. Uma vez, tentei travar conversa com a minha enigmática companheira de desvelo, mas, em vão. Sempre muda, seguia à frente e, de sua boca (se é que tinha) nunca ouvi um esgar qualquer. Digamos que ela era um túmulo. Mesmo quando ao passarmos sob uma árvore ressequida, de galhos secos e tortuosos, que mais pareciam ossos de um esqueleto secular, um galho caiu sobre nossas cabeças, ela não fez nenhum comentário, enquanto eu praguejei com dois ou três palavrões.
Que nós dois tínhamos um grande problema e que o estávamos carregando às costas era indiscutível. O meu pesava mais do que uma tonelada; eu carregava dentro de uma sacola todas as decepções amorosas que tinha passado desde que senti o primeiro beijo de uma mulher na boca; todas as desilusões das promessas não cumpridas dos amores que permearam meus dias de galante sedutor; toda a traição que se abateu sobre mim, quando acreditei que "ela" me era fiel.
Já a alma, fiquei sabendo após duzentos anos passados juntos de que ela tinha saído abruptamente do corpo de uma mulher que tinha se recusado a amar e ser amada; que preferiu viver a amargura e aridez de uma vida sozinha; de que abandonou o seu grande amor por achar que ele não o merecia e, se enganou.
"Às vezes, as mulheres são imprecisas e tomam decisões impensadas", disse, sem que ela me escutasse, ou desse a mínima.
O tempo passou! O inverno chegou e os nossos corpos (o meu, já que ela parecia mais uma nuvem encardida)se enregelaram e se petrificaram em duas árvores. Um dia, talvez, mil anos depois, um terremoto nos prostrou no chão. Eu, catei os pedaços e me fiz novamente homem e saí a perambular, taciturno, furibundo e nauseabundo pelos milhares de dias sem me banhar. Ela, a alma, sem nenhum pudor se desfez das roupas (névoas ou nuvens) e para o meu espanto se transmudou em uma belíssima mulher; a mais bela que os meus olhos já tinham visto e, sem maiores preâmbulos me disse: " Andarilho, dá-me tua mão e vem comigo e, serás feliz, intensamente feliz (a primeira vez que falou). Atônito, acreditando estar vendo uma miragem, cocei os olhos; fechei e os abri vezes incontidas para então me certificar da verdade: A alma, agora, era humana... Uma lindíssima mulher.
O tempo retrocedeu como se fora a areia de uma ampulheta que sempre retorna ao bojo, quando virado, e, nos transmudou em dois seres repletos de vida. Em instantes a virilidade tomou conta do meu corpo e, em instantes nos vimos deitados em um fresca e verde relva e nos amamos, e nos possuímos com avidez e fome visceral.
Era uma alma andarilha... Agora uma mulher cheia de vida e prenhe da vida!
quinta-feira, 19 de março de 2015
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