segunda-feira, 30 de março de 2015
O RATO !
O rato surgiu do nada e nada lhe era dado; ao contrário, tudo lhe era tirado.
Ficou por mais tempo do esperado e, nunca se importunou se era ou não, benquisto.
De imediato apossou-se da cozinha e fez dela a sua morada; o seu reduto do mal(ou do bem).
Para ele, era insignificante saber da repulsa que causou no primeiro momento, na velha.
A velha que morava sozinha se viu sem mais nem menos convivendo com um rato(que odiou).
Ambos, aliás, se odiavam: o rato pelos venenos depositados nos pires; sem falar das ratoeiras;
A velha, pelo nojo que tinha das fezes pequenas e pretas depositadas nos utensílios da cozinha.
Odiando-se e desejando cada um a morte do outro, conviveram por algumas semanas, não anos.
Das seis horas da manhã até às seis horas da tarde a velha exultava com a ausência do rato.
Das seis horas da tarde até a manhã seguinte o rato exultava em saber do temor da velha para com ele.
Eram, digamos assim, como o Sol e a Lua: dois seres antagônicos vivendo a desejar a morte um do outro.
As semanas se passaram e, os dois, aprenderam a ter uma relação mais amigável; não tanto odiosa.
A velha, à noite, quando ligava a TV para assistir novelas, não se incomodava com os guinchos na cozinha.
O rato, quando se punha a roer um pedaço de queijo(derrubado por querer pela velha) não mostrava medo algum.
Uma tarde apareceu no Apê da velha um desratizador mandado pelo seu filho, Nenca, o qual foi recusado.
Uma noite, o rato se aventurou na sala e lá ficou por horas, até que a velha se levantou e foi para o quarto.
Uma manhã a velha se aventurou pela cozinha e tendo o rato como companhia, fez o seu almoço e derrubou migalhas.
O rato sem maiores delongas devorou as suculentas migalhas de frango acompanhadas de várias côdeas de pão.
Era um dia bem cinzento e frio e a velha se ajoelhou na cozinha e deixou uma manta com alguns pedaços de queijo.
Era uma noite de tempestade, trovoadas e raios e o rato se colocou aos pés da velha e lhe fez companhia.
Agora, tanto o rato quanto a velha se suportavam, a ponto de fazerem companhia um para o outro.
Uma noite a velha teve um AVC e tombou no chão e teve vário acessos de convulsão e gemeu baixinho.
Nesta noite, o rato, imediatamente se postou ao lado da velha e a lambeu, tentando lhe dar alento.
A velha, estrebuchou e revirou os olhos e viu no movimento das cortinas a morte com sua alfanje lhe fitar.
O rato, guinchou e guinchou (chorou) e desesperado foi à cozinha e embaixo do armário rasgou o envelope de veneno.
A velha, já nos últimos estertores da agonia, suplicava aos céus a morte; que não sofresse indefinidamente.
O rato, num gesto altruísta, encheu a boca de veneno e pouco a pouco foi depositando na boca da velha.
Em instantes a velha tendo a boca inundada de veneno e espuma, sucumbiu e assim, escapou da vida vegetativa.
O rato tendo constatado a morte da velha(agora,sua amiga), deglutiu com afã sementes de girassol repletas de veneno.
Era madrugada quando os dois: a velha e o rato, prostrados no chão, se tornaram cadáveres.
O filho arrobou a porta após passados alguns dias da tragédia e empalideceu pela visão fantasmagórica:
A velha e o rato; o rato e a velha unidos pela morte em um corpo só... um dia, inimigos, hoje, amigos eternos.
O rato foi jogado sem piedade no bueiro da rua suja e escura... para ele nem uma flor foi depositada.
A velha, foi sepultada num jazigo comum com flores e muito choro.
Quando todos se retiraram d cemitério só eu pude constatar o inimaginável:
A velha tinha um sorriso de felicidade quando sentiu sobre seu corpo frio um rato passear e guinchar feliz.
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