terça-feira, 24 de abril de 2018

EM TOCA DE JAGUATIRICA PREÁ NÃO ENTRA


Frenegildo Freitas apareceu em Cordoália das Neves em uma noite de escuridão total. A Lua estava em greve. Já por vários dias ela não dava sinais de vida. Os pacatos moradores da Vila evitavam sair à noite para não terem maiores transtornos com algum gatuno, ou então, alguma alma penada, visto que o cemitério “Recanto da Saudade” ficava bem próximo da praça principal. Uma hora ou outra, um mais afoito percorria as ruelas vazias e escuras com passos apressados em busca do abrigo que pudesse protegê-lo dos perigos escondidos nas sombras da noite. Muito raro era encontrar um casal de namorados sob a proteção de uma marquise se entregando às delícias do amor. Foi nesta condição que Frenegildo aportou com seus parcos pertences na pensão “Prato Feliz” de propriedade da viúva Bresália Fortuna. De imediato a matrona tentou induzi-lo a procurar outro local para ele fincar pé, mas, depois de ouvir a sua ladainha ela se condoeu e preencheu o livro de registro de hóspedes dando-lhe o quarto ao lado do único banheiro do imóvel. Por esta noite e as duas consecutivas Frenegildo não deu as caras na rua. Tratou sim, de descansar o corpo moído pela viagem no lombo do burro Praxedes. Só depois que sentiu o corpo e os músculos em ordem e, principalmente as pernas é que ele deu ares ao povinho do lugarejo. Sem maiores preâmbulos chegou ao bar “Alvorada”; sentou-se num banco e pediu um martelo da melhor pinga da região. De imediato, a negra Alfonsina lhe serviu a bebida. Talagada vai, talagada vem e ele indiferente ao movimento do bar e da rua se pôs a mordiscar um palito de fósforo e sem maiores preâmbulos cuspia a saliva pegajosa e escura no piso sujo e encardido do bar. Neste ínterim deu entrada no boteco o anão Gurupita Pedregoso. Desde que o circo “Uma noite em Moscou” retirou os trapos de lona da cidade, o anão resolveu ficar instalado numa das casas da rua “Pintão AthaÍde”, onde o recebeu com carinho a donzela Tetê Carneiro já entrada na casa dos sessenta anos( Nunca se casou, por isto era tida por todos uma donzela). Bem, num piscar de olhos, o intrigante anão perguntou à queima-roupa para o Frenegildo o que ele fazia de melhor. O nosso herói ( ou quase) respondeu sem embaraço algum de que ele era campeão em rabo-de-arraiá. “Rabo-de-arraia?”. Perguntou espantado o gorducho anão. “Isto mesmo”, respondeu Frenegildo sem se dignar a abaixar os olhos e fitar o pobre anão. Como um rastilho de pólvora aceso a notícia percorreu todos os becos; buracos; ruelas; barracos; casas e até mesmo o cemitério se viu tomado pela notícia bombástica a ponto do coveiro Pestanildo declarar feriado no campo santo.
Por uns meses Frenegildo gozou de sua reputação de briguento imbatível em rabo-de-arraia. A primeira demonstração de sua habilidade “rabista” aconteceu numa quermesse na fazenda do Major Fragata. A festa ia de vento em popa quando um valentão cismou de passar a mão nas curvas da donzela Nenê Pintassilgo; moçoila dos seus dezesseis anos e cheia de fricotes. Com gritinhos estridentes ela chamou a atenção do Frenegildo que sem perguntar isto ou aquilo, aplicou um rabo-de-arraia no galanteador que, sem despedir do Major voou por sobre as barracas e foi aterrissar no curral de bezerros, onde ficou a noite inteira e só acordou para mamar nas tetas da vaca Favorita e desde então passou a berrar como um garrote desmamado. A fama de “rabista” de Frenegildo correu o sertão. Tornou-se imperioso conhecer o mais famoso aplicador de rabo-de-arraia das redondezas. E, assim, desfrutando de sua habilidade com as pernas ele foi vivendo e levando a vida em calmaria, até que...
Até que um dia também aportou em Cordoália das Neves um sujeito esquisito. Era esquisito por completo, tanto na carcaça, quanto no gênio. Tinha o corpo disforme. Era pequeno nas partes baixas e avantajado nas partes altas. A pele não tinha classificação de cor: ora era escura; ora era negra; ora era parda, mas, nunca branca. Parecia até que era um camaleão disfarçado de gente. Tinha os olhos encavados no rosto e nunca, mas nunca mesmo brilharam por alguém ou algum fato. Eram frios como os olhos de um urutu. Sisudo, não trocava palavra à toa. Só cuspia, por assim dizer, algumas palavras para o gasto. Quando chegou num dia chuvoso na praça Albertine no ônibus das quinze horas sentiu que estava pisando no lugar certo; na terra onde deitaria morada até que a morte o levasse para outra vida melhor. E, assim, Pretonildo Pacífico deitou amarras na bucólica cidade e, abriu o bar “ URRO DE LEÃO” na rua Cizino Freitas, número 65.
No começo das atividades comerciais o bar vendia bebidas e belisquetes e, atendia a freguesia que gostava de dar umas e outras talagadas, sempre acompanhados de comentários jocosos e atrevidos. Passado algum tempo o enigmático comerciante passou a abrir o bar somente após as dezenove horas e instalou sobre o balcão uma lâmpada vermelha e enfeitou as paredes com papel celofane também vermelho. Com alguns golpes de marreta derrubou as paredes de um cômodo e instalou no canto uma sonata e, para terminar, encheu de garotas atrevidas, vindas todas da capital. No início foi um banzé dos diabos, A sociedade Cordoaliense botou a boca nos trombones. Mas, tudo em vão, mesmo por que o frequentador mais assíduo era o Doutor Delegado Josenildo Paranhos. De nada também adiantou os reclamos do padre Pedregoso e dos coroinhas. Pontualmente, às sete horas da noite, a luz vermelha se acendia e a imoralidade reinava dentre as quatro ou mais paredes do bar “URRO DE LEÃO”.
Para resolver o impasse a Sociedade Irmãs do Espírito Santo, constituída pelas abonadas e gorduchas matronas Cordoalienses se reuniu após muita discussão chegaram a conclusão de que só uma pessoa poderia devolver a moralidade à cidade: FRENEGILDO FREITAS e seu rabo-de-arraia. Conversa vai, conversa vem e convenceram o nosso herói (será?) a tomar atitudes com o imoral Pretonildo, que, argumentaram: “Com um rabo-de-arraia bem aplicado ele voa para outras bandas e deixa em paz nossos maridos.” Dito e feito.
A noite ainda estava capengando quando Frenegildo aportou no bar “URRO DE LEÃO”e, peremptoriamente gritou: “Nêgo do satanás, sai da toca que aqui tem homem pra te mandar pros infernos.” As últimas sílabas de “infernos” ainda estavam no ar, quando saiu em mangas de camisa e calção de brim azul o disforme mortal. Cumpre avisar o amigo leitor que ele tinha passado sebo de carne de bode velho nas pernas que além de deixá-las luzidias também as deixavam terrivelmente escorregadias. Este artifício foi a “pedra no caminho” do “rabista” Frenegildo ( só mesmo o inigualável poeta Drumond para entendê-lo).
De um salto mirabolante Frenegildo aplicou o golpe. Mas, que decepção. Caído no chão sujo do bar o “rabista” contemplava o seu rival em pé e ainda rindo em gargalhadas. Não desanimou e tentou se levantar para aplicar outro golpe, quem sabe o mortal, mas, ficou só no intento, pois, sem dar uma palavra; sem avisar o energúmeno aplicou-lhe um bofetão no pé da orelha esquerda, para em seguida dar-lhe um pontapé nas partes baixas deixando-o desmaiado e sangrando pelas ventas. Coube ao anão Gurupita Pedroso arrastar o moribundo pelas calçadas até a pensão “Prato Feliz” onde ele permaneceu desmaiado e acamado por vários dias. “Quando numa bela manhã de setembro a passarinhada fazia algazarra na laranjeira ele acordou e foi interpelado pela senhora Bresália Fortuna, que, sem dó nem piedade perguntou: Frenegildo você vai voltar no bar “URRO DE LEÃO” para lavar sua honra”?
Com os olhos esbugalhados e num esgar de dor respondeu: “Eu tô louco por acaso? E, arrematou: EM TOCA DE JAGUATIRICA, PREÁ, NÃO ENTRA.” E, desabou num sono secular.

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