terça-feira, 30 de abril de 2019
AMOR É UM FOGO QUE ARDE SEM SE VER
LUÍS DE CAMÕES
Amor é um fogo que arde sem se ver;
é ferida que dói e não se sente;
é um descontentamento descontente;
é dor que desatina sem doer;
é um não querer mais que bem querer;
é solitário andar por entre a gente;
é um não contentar-se de contente;
é cuidar que se ganha em se perder;
é um estar-se preso por vontade;
é servir a quem vence o vencedor;
é um ter com quem nos mata lealdade.
Mas como causar pode o seu favor
nos mortais corações conformidade,
sendo a si tão contrário o mesmo amor?
Lisboa, Portugal, 1524
Lisboa, Portugal, 1580
MÃOS
CRUZ E SOUSA
Ó mãos ebúrneas, mãos de claros veios,
esquisitas tulipas delicadas,
lânguidas mãos sutis e abandonadas,
finas e brancas, no esplendor dos seios.
Mãos etéricas, diáfanas de enleios,
de eflúvios e de graças perfumadas,
relíquias imortais de eras sagradas,
de antigos templos de relíquias cheios.
Mãos onde vagam todos os segredos,
onde dos ciúmes tenebrosos, tredos,
circula o sangue apaixonado e forte.
Mãos que eu amei, no féretro medonho
frias, já murchas, na fluidez do Sonho,
nos mistérios simbólicos da morte.
Nossa Senhora do Desterro - Florianópolis /SC , 1861
Curral Novo - Antonio Carlos/MG, 1898
segunda-feira, 29 de abril de 2019
ENGANEI-ME, ENGANEI-ME - PACIÊNCIA
TOMÁS ANTONIO GONZAGA
Enganei-me, enganei-me - paciência!
Acreditei as vozes, cri, Ormia,
que a tua singeleza igualaria
à tua mais que angélica aparência.
Enganei-me, enganei-me - paciência!
Ao menos conheci que não devia
pôr nas mãos de uma extrema galhardia
o prazer, o sossego e a inocência.
Enganei-me, cruel, com teu semblante,
e nada me admiro de faltares,
que esse teu sexo nunca foi constante.
Mas tu perdeste mais em me enganares:
que tu não acharás um firme amante,
e eu posso de traidoras ter milhares.
Porto, 1744
Moçambique, 1810
Enganei-me, enganei-me - paciência!
Acreditei as vozes, cri, Ormia,
que a tua singeleza igualaria
à tua mais que angélica aparência.
Enganei-me, enganei-me - paciência!
Ao menos conheci que não devia
pôr nas mãos de uma extrema galhardia
o prazer, o sossego e a inocência.
Enganei-me, cruel, com teu semblante,
e nada me admiro de faltares,
que esse teu sexo nunca foi constante.
Mas tu perdeste mais em me enganares:
que tu não acharás um firme amante,
e eu posso de traidoras ter milhares.
Porto, 1744
Moçambique, 1810
segunda-feira, 22 de abril de 2019
O MÁGICO JOSINALDO PROCÓPIO NEVES (MANDRAKE) NOS TEMPOS DE CRISE
(uma história que me foi relatada pelo primo do mágico)
Não nasceu mágico.
Tornou-se mágico após fazer um curso de mágicas a distância pelo renomado Instituto Dom Bosco, que oferecia cursos de toda natureza. Antes, bem antes, quando era mais jovem, tinha pensado em fazer o curso de fotografia, mas, sabendo dos custos dos materiais que iria usar, preferiu optar pelo de mágico: apenas uma cartola, um fraque, alguns lenços, um baralho e outras coisas mais; nada que alterasse em muito o seu parco orçamento.
Após seis meses de curso e algumas mágicas bem feitas e, claro, algumas fracassadas, ele, sentiu-se apto a se apresentar diante do grande público, de preferência um circo.
Para sua sorte, chegou e se instalou em sua cidade o Circo “Casca Grossa”, com dois leões, alguns macacos, um urso desdentado, três cachorros ensinados e os artistas costumeiros, ou seja, palhaços, trapezistas, contorcionistas (mulher sapo e homem cobra) e um mágico. Para encurtar a conversa, amigo leitor, conto que o mágico em questão, caiu de um trapézio (acumulava essa função) e, quebrou o braço, ficando por alguns meses impedido de realizar tão importante apresentação.
Foi a chance tão esperada pelo nosso herói Josinaldo, que, dirigindo-se ao circo, sem nenhuma pretensão de se tornar mágico, foi imediatamente contratado pelo proprietário, pois, as duas sessões de domingo , arrematou ele, não podiam acontecer sem o mágico. As mágicas constituíam as delícias da platéia, quase que exclusivamente de crianças, acompanhadas pelos seus pais e parentes próximos.
Josinaldo, até então, não tinha escolhido nenhum apelido e foi uma exigência do proprietário do circo que ele trocasse de nome, justificando:” onde se viu um mágico que se preste chamar JOSINALDO!, e, concluiu, fica melhor MANDRAKE.”
Quando chegou à casa contou para a sua querida patroa de que ele estava empregado no circo e que, estava no fim o tempo de “vacas magras”. Nessa noite ele não precisou fazer mágicas para ter todos os carinhos e afagos da sensual Ritinha Neves.
Em sua primeira apresentação no circo, diante de uma plateia considerada, ele fez mágicas das mais variadas, inclusive tirando dois coelhos e cinco pombos da cartola, além de dezenas de lenços de seda e claro, flores, que eram distribuídas pelos palhaços às donzelas presentes.
Desnecessário dizer que o nosso “Mandrake”, estava indo de vento em popa, a ponto de comprar um belo carro, uma televisão colorida e uma bicicleta para a caçula Josinalva, chamada carinhosamente de Josi. Para os outros dois filhos dava uma mesada substanciosa e, assim, levou a vida por um bom tempo até que...
Até que rompeu a crise em nosso querido Brasil... até que o Presidente Collor, em um dos seus famosos rompantes, bloqueou a poupança e fez com que os brasileiros apertassem o cinto e, se virassem, como pudessem, para sobreviverem.
Com a crise, o circo foi minguando, minguando, até o dia em que o dono descerrou as lonas e deu cabo de tudo. Os animais foram vendidos, os artistas despedidos (entre eles o nosso mágico) e, no local só ficou os buracos dos postes e as fezes dos animais, exalando um cheiro nauseabundo pelas cercanias.
Agora, desempregado, Josinaldo começou a ter problemas em sua casa. Todo dia tinha que escutar a ladainha da Ritinha que exigia melhores condições de vida, isso, quando não eram os filhos cobrarem a sua responsabilidade nas despesas do dia a dia. À bem da verdade, o nosso mágico já estava ficando de “saco cheio” com as cobranças e o ápice foi quando a “patroa” lhe vociferou na cara que ele precisava fazer suas mágicas dentro de casa e, arrematou, sacudindo os “bobs” dos cabelos: “Por que você não faz suas mágicas e não tira um coelho para o nosso almoço?”.
Estupefato, não acreditando no que tinha acabado de ouvir, sentou-se em sua poltrona preferida e pôs-se a meditar e, muito meditou. Sem falar com ninguém foi até o seu quarto de despejo onde estavam guardados os seus apetrechos de mágica e, com lentos movimentos vestiu o fraque, colocou a cartola e foi para a cozinha. Lá chegando, sem se dirigir a ninguém, fez uns trejeitos e tirou de dentro da cartola um pombo de penas brancas e peito redondo: estava gordo de dar gosto. Com gosto a senhora Ritinha depenou a pobre ave que tantas glórias tinha recebido no palco do circo “Casca Grossa”, e a cozinhou, servindo-a numa travessa de porcelana. Com exceção do mágico, todos os demais se deleitaram na carne macia.
E, assim se sucedeu inúmeras vezes. Certa feita ela exigiu do seu mágico que tirasse da cartola dois coelhos, pois, sua mãe e tios ficaram de vir almoçar no domingo, A contragosto ele assim o fez. Acostumada com as mágicas que lhe rendiam ótimos almoços, ala passou a exigir mais do infeliz marido, a ponto de, num certo feriado obrigá-lo a tirar da cartola um rechonchudo leitão. Muito a contragosto ele assim o fez e, em minutos tinha às mãos o bichinho que num passe de mágica foi repousar numa bandeja no forno aquecido.
Dias e meses se passaram. Impossível dizer a quantidade de animais que o nosso “Mandrake” tirou da sua cartola. Infeliz pela odiosa missão, ele passou a ficar mais tempo do que o costume “jururu” na rede, no fundo do quintal.
Certa vez, a patroa o surpreendeu falando sozinho e pôde escutar, alarmada, ele proferir a seguinte sentença: “ Vou tirar um revolver da cartola e matá-la”. Imediatamente, ela correu pra dentro e, foi até o oratório rezar para sua santa protetora: Santa Genoveva, pedindo-lhe que a protegesse.
Uma tarde de domingo, após o almoço, quando Josinaldo tirou de dentro da cartola dois frangos e um coelho (tinha convidados) e, estando os comensais descansando sob a sombra da jaqueira, digerindo as iguarias, ele, foi até o quarto do casal e, fez a sua última mágica...
Por vários dias as autoridades e familiares procuraram a senhora Ritinha em vão, até que, o delegado de polícia a deu como desaparecida. Cartazes foram feitos, mas, tudo em vão. O tempo passou e, Josinaldo, agora “viúvo”, voltou a procurar um circo pra fazer suas mágicas e ganhar alguns trocados. Os filhos optaram em morar com os avôs.
Um dia, em suas constantes viagens, encontrou um circo. Não era um circo grandioso, mas, pensou, para reiniciar os trabalhos, serve. Assim, aos sábados e domingos, apresentava suas mágicas e, tinha enorme sucesso. Só uma coisa o chateava : Toda vez que ia se apresentar, tinha antes de fazer uma mágica: tirar sua odiosa mulher da cartola e colocá-la numa gaiola junto com os pombos, pois, de maneira alguma podia cometer um erro e tirar de dentro da cartola a “bruaca” na frente do público.
Ah, sobre o revólver: ele o tinha, mas toda vez que apertava o gatilho saía pelo cano uma rosa... era a mágica que mais impressionava o público.
De mágica em mágica, Josinaldo, seguiu pela vida e, aconchegada no forro macio da cartola, a sua “patroa”, a senhora Rita do Rosário Neves.
ALDO DE AGUIAR
22-4-19
(uma história que me foi relatada pelo primo do mágico)
Não nasceu mágico.
Tornou-se mágico após fazer um curso de mágicas a distância pelo renomado Instituto Dom Bosco, que oferecia cursos de toda natureza. Antes, bem antes, quando era mais jovem, tinha pensado em fazer o curso de fotografia, mas, sabendo dos custos dos materiais que iria usar, preferiu optar pelo de mágico: apenas uma cartola, um fraque, alguns lenços, um baralho e outras coisas mais; nada que alterasse em muito o seu parco orçamento.
Após seis meses de curso e algumas mágicas bem feitas e, claro, algumas fracassadas, ele, sentiu-se apto a se apresentar diante do grande público, de preferência um circo.
Para sua sorte, chegou e se instalou em sua cidade o Circo “Casca Grossa”, com dois leões, alguns macacos, um urso desdentado, três cachorros ensinados e os artistas costumeiros, ou seja, palhaços, trapezistas, contorcionistas (mulher sapo e homem cobra) e um mágico. Para encurtar a conversa, amigo leitor, conto que o mágico em questão, caiu de um trapézio (acumulava essa função) e, quebrou o braço, ficando por alguns meses impedido de realizar tão importante apresentação.
Foi a chance tão esperada pelo nosso herói Josinaldo, que, dirigindo-se ao circo, sem nenhuma pretensão de se tornar mágico, foi imediatamente contratado pelo proprietário, pois, as duas sessões de domingo , arrematou ele, não podiam acontecer sem o mágico. As mágicas constituíam as delícias da platéia, quase que exclusivamente de crianças, acompanhadas pelos seus pais e parentes próximos.
Josinaldo, até então, não tinha escolhido nenhum apelido e foi uma exigência do proprietário do circo que ele trocasse de nome, justificando:” onde se viu um mágico que se preste chamar JOSINALDO!, e, concluiu, fica melhor MANDRAKE.”
Quando chegou à casa contou para a sua querida patroa de que ele estava empregado no circo e que, estava no fim o tempo de “vacas magras”. Nessa noite ele não precisou fazer mágicas para ter todos os carinhos e afagos da sensual Ritinha Neves.
Em sua primeira apresentação no circo, diante de uma plateia considerada, ele fez mágicas das mais variadas, inclusive tirando dois coelhos e cinco pombos da cartola, além de dezenas de lenços de seda e claro, flores, que eram distribuídas pelos palhaços às donzelas presentes.
Desnecessário dizer que o nosso “Mandrake”, estava indo de vento em popa, a ponto de comprar um belo carro, uma televisão colorida e uma bicicleta para a caçula Josinalva, chamada carinhosamente de Josi. Para os outros dois filhos dava uma mesada substanciosa e, assim, levou a vida por um bom tempo até que...
Até que rompeu a crise em nosso querido Brasil... até que o Presidente Collor, em um dos seus famosos rompantes, bloqueou a poupança e fez com que os brasileiros apertassem o cinto e, se virassem, como pudessem, para sobreviverem.
Com a crise, o circo foi minguando, minguando, até o dia em que o dono descerrou as lonas e deu cabo de tudo. Os animais foram vendidos, os artistas despedidos (entre eles o nosso mágico) e, no local só ficou os buracos dos postes e as fezes dos animais, exalando um cheiro nauseabundo pelas cercanias.
Agora, desempregado, Josinaldo começou a ter problemas em sua casa. Todo dia tinha que escutar a ladainha da Ritinha que exigia melhores condições de vida, isso, quando não eram os filhos cobrarem a sua responsabilidade nas despesas do dia a dia. À bem da verdade, o nosso mágico já estava ficando de “saco cheio” com as cobranças e o ápice foi quando a “patroa” lhe vociferou na cara que ele precisava fazer suas mágicas dentro de casa e, arrematou, sacudindo os “bobs” dos cabelos: “Por que você não faz suas mágicas e não tira um coelho para o nosso almoço?”.
Estupefato, não acreditando no que tinha acabado de ouvir, sentou-se em sua poltrona preferida e pôs-se a meditar e, muito meditou. Sem falar com ninguém foi até o seu quarto de despejo onde estavam guardados os seus apetrechos de mágica e, com lentos movimentos vestiu o fraque, colocou a cartola e foi para a cozinha. Lá chegando, sem se dirigir a ninguém, fez uns trejeitos e tirou de dentro da cartola um pombo de penas brancas e peito redondo: estava gordo de dar gosto. Com gosto a senhora Ritinha depenou a pobre ave que tantas glórias tinha recebido no palco do circo “Casca Grossa”, e a cozinhou, servindo-a numa travessa de porcelana. Com exceção do mágico, todos os demais se deleitaram na carne macia.
E, assim se sucedeu inúmeras vezes. Certa feita ela exigiu do seu mágico que tirasse da cartola dois coelhos, pois, sua mãe e tios ficaram de vir almoçar no domingo, A contragosto ele assim o fez. Acostumada com as mágicas que lhe rendiam ótimos almoços, ala passou a exigir mais do infeliz marido, a ponto de, num certo feriado obrigá-lo a tirar da cartola um rechonchudo leitão. Muito a contragosto ele assim o fez e, em minutos tinha às mãos o bichinho que num passe de mágica foi repousar numa bandeja no forno aquecido.
Dias e meses se passaram. Impossível dizer a quantidade de animais que o nosso “Mandrake” tirou da sua cartola. Infeliz pela odiosa missão, ele passou a ficar mais tempo do que o costume “jururu” na rede, no fundo do quintal.
Certa vez, a patroa o surpreendeu falando sozinho e pôde escutar, alarmada, ele proferir a seguinte sentença: “ Vou tirar um revolver da cartola e matá-la”. Imediatamente, ela correu pra dentro e, foi até o oratório rezar para sua santa protetora: Santa Genoveva, pedindo-lhe que a protegesse.
Uma tarde de domingo, após o almoço, quando Josinaldo tirou de dentro da cartola dois frangos e um coelho (tinha convidados) e, estando os comensais descansando sob a sombra da jaqueira, digerindo as iguarias, ele, foi até o quarto do casal e, fez a sua última mágica...
Por vários dias as autoridades e familiares procuraram a senhora Ritinha em vão, até que, o delegado de polícia a deu como desaparecida. Cartazes foram feitos, mas, tudo em vão. O tempo passou e, Josinaldo, agora “viúvo”, voltou a procurar um circo pra fazer suas mágicas e ganhar alguns trocados. Os filhos optaram em morar com os avôs.
Um dia, em suas constantes viagens, encontrou um circo. Não era um circo grandioso, mas, pensou, para reiniciar os trabalhos, serve. Assim, aos sábados e domingos, apresentava suas mágicas e, tinha enorme sucesso. Só uma coisa o chateava : Toda vez que ia se apresentar, tinha antes de fazer uma mágica: tirar sua odiosa mulher da cartola e colocá-la numa gaiola junto com os pombos, pois, de maneira alguma podia cometer um erro e tirar de dentro da cartola a “bruaca” na frente do público.
Ah, sobre o revólver: ele o tinha, mas toda vez que apertava o gatilho saía pelo cano uma rosa... era a mágica que mais impressionava o público.
De mágica em mágica, Josinaldo, seguiu pela vida e, aconchegada no forro macio da cartola, a sua “patroa”, a senhora Rita do Rosário Neves.
ALDO DE AGUIAR
22-4-19
domingo, 21 de abril de 2019
"EM TERRA DE CEGO, QUEM TEM UM OLHO É MAJESTADE"
Quando tomei conhecimento desse adágio popular, senti uma felicidade brusca tomar conta de minha alma e de todas as células do meu corpo.
Explico: Vivo num mundo onde por mais que eu lute, que eu tente me sobressair no mundo financeiro, não obtenho sucesso. Digo, sim: sou um infeliz homem querendo sair da pobreza que me acompanha por décadas e décadas. Já fiz de tudo para sair desse lamaçal que me envolveu. Trabalhei arduamente, galguei degraus na profissão, vendi isso e aquilo, tomei muita chuva e muito sol, andei de bicicleta e às vezes em carros velhos... enfim, lutei, lutei e muito lutei e, não tive os lauréis que se obtém, quando a riqueza nos bafeja.
Por isso, muito sofri e, sofro ainda.
Mas, quando escutei o alvissareiro adágio a que me refiro, pensei comigo: basta encontrar essa Terra; furar um olho e, lá me tornarei rei e, todos sabem como vive um rei: manjares nababescos, lindas cortesãs, artigos de seda,tapetes da Pérsia e muito ouro, prata e pedras preciosas
Para minha derrota maior, nunca encontrei essa Terra, o máximo a que pude chegar foi até o Romance premiado do escritor Português José Saramago, Prêmio Nobel de Literatura, que em 1995 o lançou à praça com o título de "ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA". Mas, nunca encontrei em que cidade as pessoas ficaram cegas...
Conclusão: continuo pobre, embora tenha os dois olhos perfeitos... que me irritam quando examinam o extrato bancário e constatam que estou sempre no negativo.
Arre!!!!!
sexta-feira, 19 de abril de 2019
O OBITUÁRIO ... (UM CONTITO PARA SE LER DE UM SÓ FÔLEGO)
José Sizenando Costa Neves, dentro dos seus sessenta e sete anos; de sua estatura robusta e cabelos levemente grisalhos, não podia reclamar de nada. Tinha uma família feliz constituída pela querida esposa Naná Neves e pelos três filhos, Zito o caçula, Zézinha a do meio e Braguinha , o primogênito. Morava numa bela casa para a pequena cidade de Umbuzá e exercia a função de Coletor Estadual, que lhe auferia uma boa soma, que dava para viver sossegado. Porém, de uns tempos para cá, passou a se preocupar com a saúde e achava que iria morrer a qualquer momento. Tornou-se hipocondríaco e de vez em quando tinha acessos de pânico. Na voz corrente dos amigos ele tinha um pavor aterrador da morte. Num belo dia, que para ele pareceu ser o último, caiu em suas mãos, um jornal da cidade vizinha e, ao folheá-lo deparou com a seção onde tinha um OBITUÁRIO. Trêmulo, leu as mortes ocorridas em prazo de dias e, ao terminar sentiu um calafrio e um suor frio e pegajoso escorrer pelas suas costas. Um dia, quando estava lendo o Obituário, deparou com o seu nome escrito e a data da morte... a data do mesmo dia em que lia a noticia fúnebre. Leu, pálido e, tendo o coração a galope: " Faleceu nesta data o senhor José Sizenando Costa Neves. Saudades de sua família". Imediatamente, ele teve uma síncope cardíaca e morreu sobre sua mesa. Em tempo: O responsável pelo Obituário, na redação do jornal, se esqueceu de acrescentar no nome do defunto o sobrenome Palhares. Por um erro de redação, morreu o Coletor Estadual de Umbuzá.
segunda-feira, 15 de abril de 2019
O LIVRO DO DESASSOSSEGO - 122.
A ideia de viajar nauseia-me.
Já vi tudo que nunca tinha visto.
Já vi tudo que ainda não vi.
O tédio do constantemente novo, o tédio de descobrir, sob a falsa diferença das coisas e das ideias, a perene identidade de tudo, a semelhança absoluta entre a mesquita, e o templo e a igreja, a igualdade da cabana e do castelo, o mesmo corpo estrutural a ser rei vestido e selvagem nu, a eterna concordância da vida consigo mesma, a estagnação de tudo que vivo só de mexer-se está passando.
Paisagens são repetições. Numa simples viagem de comboio divido-me inútil e angustiadamente entre a inatenção ao livro que me entreteria se eu fosse outro.Tenho da vida uma náusea vaga, e o movimento acentua-me.
Só não há tédio nas paisagens que não existem, nos livros que nunca lerei.
A vida, para mim, é uma sonolência que não chega ao cérebro. Esse conservo eu livre para que nele possa ser triste.
Ah, viagem os que não existem! Para quem não é nada, como um rio, o correr deve ser vida. Mas aos que pensam e sentem, aos que estão despertos, a horrorosa histeria dos comboios, dos automóveis, dos navios não os deixa dormir nem acordar.
De qualquer viagem, ainda que pequena, regresso como de um sono cheio de sonhos- uma confusão tórpida, com as sensações coladas uma às outras, bêbado do que vi.
Para o repouso falta-me a saúde da alma. Para o movimento falta-me qualquer coisa que há entre a alma e o corpo; negam-se-me, não os movimentos, mas os desejos de os ter.
Muita vez me tem sucedido querer atravessar o rio, estes dez minutos do Terreiro do Paço a Cacilhas. E quase sempre tive como que a timidez de tanta gente, de mim mesmo e do meu propósito. Uma ou outra vez tenho ido. sempre opresso, sempre pondo somente o pé em terra de quando estou de volta.
Quando se sente de mais, o Tejo é Atlântico sem número, e Cacilhas outro continente, ou até outro universo.
O LIVRO DO DESASSOSSEGO
FERNANDO PESSOA
COMPANHIA DAS LETRAS
PG. 143
segunda-feira, 8 de abril de 2019
BEM-TE-VI... BEM, NÃO TE VI!
I
Estava namorando Aninha desde a festa junina do ano passado. Conheci-a, quando fui convidado, pela sinhá Percivalda, para dançar a quadrilha. A festa junina acontecia no terreiro enfeitado de bandeirinhas e bambus do sítio do senhor Capistrano de Abreu, quando lá pelas cinco horas da tarde teve início a famosa quadrilha, marcada com maestria pela mãe da jovem Aninha uma garota de dezesseis anos, dona de uma beleza e joviabilidade incomuns. Era, a mais requisitada pelos rapazes da região, embora, nunca tivesse dado “bola” para nenhum deles. Seu maior prazer,dizia, era estudar, frequentar uma boa escola e, ser professora. Para ela eu sorria sempre que tinha uma oportunidade e, quando me entusiasmava sobremaneira lhe dava algumas piscadelas, mas, ela nunca demonstrou ter uma queda por mim, ao contrário, virava sempre o rosto, como a dizer: “ que cara mais atrevido”.
II
Na ocasião, eu tinha dezoito anos de idade incompletos. Era, por assim dizer, um rapaz dotado de todos os atributos para um jovem da zona rural. Tinha acabado de concluir o ginásio estadual na escola da Vila. Para ajudar meus pais e irmãos menores, labutava na roça, ordenando vacas, plantando e colhendo os produtos que nos mantinham numa situação financeira razoável. Vistoso que era ( dizia minha mãe), tive algumas namoradas e alguns flertes, todos eles inconseqüentes, apenas passa-tempos. Nunca cheguei a me apaixonar por nenhuma delas, mesmo porque, nenhuma me atraiu e, assim, fui tocando a vida até a tarde em que fui dançar quadrilha... até o momento em que peguei nas delicadas mãos de Aninha, num dos passes da dança.
III
A quadrilha estava no auge, quando, por força do destino (existe?), eu tropecei e me lancei de supetão nos braços da jovem dançarina, a requisitada Aninha. Esperando ser desvencilhado de seus braços com um safanão, vi-me, abraçado por ela e, num gesto de carinho, passou a mão fina e delicada pelo meu rosto, dizendo-me ternamente, num sussurro que só eu pude ouvir: “ Casemiro, tenha calma...” e, me sorriu de uma maneira que eu o entendi como; “você é muito legal e, eu gosto de estar ao seu lado.” Imediatamente, passei o lenço xadrez pelo rosto e continuei a dançar, porém, agora com o coração a retumbar de alegria.
IV
A festa junina se esparramou até a meia noite, quando os convidados já satisfeitos com as iguarias e o quentão fervente, foram se despedindo dos anfitriões e, cada qual, carregando as prendas arrematadas no leilão beneficente ( o montante arrecadado era para a reforma da capela do bairro), se acomodavam em suas montarias, charretes e carros de bois , tocando-os pelas curvas sinuosas da estrada, acompanhados de quando em quando pelos pios de agourentas corujas. Eu, confesso fui um dos últimos a me despedir, procurando com esse ardil, ficar mais tempo da formosa Aninha. Foi sua mãe, a sinhá Percivalda que sem saber me proporcionou a chance de ficar junto á querida donzela. Procurando-me agradar, pediu para que a filha estimada fosse até cozinha buscar um bolão de fubá para presentear minha mãe. Num átimo ela saiu correndo para voltar logo em seguida com a prenda e, encabulada, notou que eu estava sozinho, que sua mãe tinha saído para dar atenção a outros convidados. Encabulados, permanecemos por alguns minutos até que ela, balbuciando, disse-me estar feliz com minha presença e, de que gostaria de me ver novamente. No momento, senti o rosto queimar e, trêmulo, balbuciei que logo, logo, eu a estaria visitando. Jogando-me o sorriso mais encantador que eu já tinha recebido, virou-se e, saiu correndo, com as tranças balançando, ao sabor da aragem da noite.
V
Depois dessa encantada noite e dos momentos vividos de magia, passamos a nos ver regularmente, até o dia em que consentimos em sermos namorados. Da parte dos nossos pais só houve alegria e palavras doces nos incentivando a nos amarmos cada vez mais, até o noivado e sua concretização: o casamento.
Namoramos por dois anos e, numa tarde outonal, à sombra deliciosa de um jatobá, ficamos noivos. Após um beijo ardente, coloquei em seu dedo anular da mão direita a aliança de ouro e, ela, com os olhos lacrimejantes, retribuiu o meu gesto e, num abraço forte, juramos amor eterno. Nosso noivado foi lindo, majestoso. Invariavelmente, nos víamos dia sim, dia não. A cada encontro nos supríamos as almas de beijos e carinhos ternos. Nunca houve de nossas partes. Volúpia ou lubricidade: respeitávamo-nos, e tínhamos decididos de que a concretização sexual só viria após o enlace nupcial. No momento especial só tivemos como testemunha um Bem-te-vi, que, sobre o galho da esplendorosa árvore, dizia-nos a todo instante: Bem-te-vi ... Bem-te-vi. Por incrível que possa parecer essa avezita nunca mais deixou de nos fazer companhia e, em todo lugar que íamos, nas redondezas do sítio ele fazia questão de nos acompanhar e cantar o seu canto característico: Bem-te-vi... bem-te-vi... bem-te-vi.
Amamos o nosso companheiro e testemunha de nossos carinhos até o dia em que...
VI
Até o dia em que aconteceu a maior tragédia de minha vida. Até o dia em que me senti o ser mais amaldiçoado da face da Terra. Até o dia em que desisti de viver como homem para ser um pária... um João-ninguém... um molambo e, tudo aconteceu como um raio numa noite escura... num relance deixei de ser feliz para ser infeliz, quando...
Era uma tarde fresca, amena, convidativa para um passeio na mata, onde corria um riacho que formava uma cachoeira linda com suas águas cristalinas. Tínhamos, na véspera, combinados de que iríamos nadar naquela tarde. Já tínhamos feito isso outras vezes e, sempre, nos regozijávamos com os banhos frescos, que, no início, as águas tinham a magia de eriçar os pelos de nossos corpos, causando-nos um bem-estar maravilhoso. Sentados na rocha por onde a água escorria em borbotões e espumas, conversávamos sobre os preparativos do casamento a realizar –se no mês vindouro e, absortos, não vimos uma cobra, mais precisamente uma jaracuçu, que identifiquei pela sua coloração e forma. Quando, a vi, foi tarde demais, pois, num bote certeiro ela mordeu o tornozelo alvo e delicado de minha amada. Angustiado, terrificado, levantei-me de um salto para matá-la e após socorrer minha doce noiva. Foi apenas um segundo ou menos, para a desgraça nos atingir. Ao tentar matar o monstro escorreguei na rocha e bati com a cabeça numa pedra, desmaiando, sem antes, porém, escutar ao longe ( embora estivesse num galho de um ingazeiro sobre o rio), o nosso companheiro cantar: bem-te-vi... bem-te-vi... bem-te-vi ...
VI
Estava já, sentado frente ao seu caixão, desde a manhã, quando ele chegou da Santa Casa. A sala estava repleta. Por todo lado se ouvia choros, choramingos e palavras de dor. Seus pais agonizavam numa dor sem tamanho pela perda de sua filha querida, que, tão jovem, deixou esse mundo. Meus pais tentavam me consolar com palavras amenas, mas, a dor que eu sentia era tanta que eu não os ouvia. À tarde, quando o féretro saiu para o cemitério municipal, eu me enveredei pela mata e fui despir minhas dores na cachoeira. Lá, permaneci até o dia seguinte, quando meu pai e alguns amigos foram me buscar. Como um bêbado, deixei me levar e, cambaleando cheguei à minha casa. Por alguns dias, não saí do quarto, nem ao menos para me alimentar e, quando o fazia era para ir fazer as necessidades e, voltava taciturno, para o meu refúgio.
VII
A vida tinha perdido o sentido para mim. Vivia como um autômato. A dor da perda irreparável tomava conta do meu corpo e ia, pouco a pouco, minando minhas forças e a vontade de viver. Passados alguns dias da tragédia é que eu fiquei sabendo de como ocorreu tamanha desgraça. Uma tarde, enquanto eu ficava à margem da estrada, tendo como companheiro solitário o fiel Bem-te-vi, meu pai me contou do ocorrido, falando que, como nós estávamos demorando pra chegar e já estava ficando escuro, chamou o seu amigo Manoel Belarmino e, juntos foram até a cachoeira, pois sabiam que era lá que sempre íamos. Grande foi a surpresa que tiveram quando me viram desmaiado sobre a pedra e a Aninha deitada e se contorcendo de dor. Após uma rápida inpeção pelo local depararam com a fera numa toca e a mataram sem piedade. Imediatamente foram buscar ajuda e nos levaram para a Santa Casa. Eu permaneci duas noites desacordado, voltando à realidade na manhã do velório da querida noiva, quando a tragédia já estava consumada.
Minha noiva morreu e, eu, não pude socorrê-la.
Desde então, tornei-me um desgraçado e, peço a Deus que me leve o mais breve possível ao paraíso, onde, certamente, ela estará.
Debruçado sobre o caixão disse-lhe baixinho: “ Querida Aninha, perdoe-me e, continuei, num débil sussurro... Bem, não te vi ser mordida pela cobra e, nem te socorri!”
Em algum lugar o nosso companheiro trinava : bem-te-vi... bem-te-vi... bem-te-vi.
ALDO
08-04-19
I
Estava namorando Aninha desde a festa junina do ano passado. Conheci-a, quando fui convidado, pela sinhá Percivalda, para dançar a quadrilha. A festa junina acontecia no terreiro enfeitado de bandeirinhas e bambus do sítio do senhor Capistrano de Abreu, quando lá pelas cinco horas da tarde teve início a famosa quadrilha, marcada com maestria pela mãe da jovem Aninha uma garota de dezesseis anos, dona de uma beleza e joviabilidade incomuns. Era, a mais requisitada pelos rapazes da região, embora, nunca tivesse dado “bola” para nenhum deles. Seu maior prazer,dizia, era estudar, frequentar uma boa escola e, ser professora. Para ela eu sorria sempre que tinha uma oportunidade e, quando me entusiasmava sobremaneira lhe dava algumas piscadelas, mas, ela nunca demonstrou ter uma queda por mim, ao contrário, virava sempre o rosto, como a dizer: “ que cara mais atrevido”.
II
Na ocasião, eu tinha dezoito anos de idade incompletos. Era, por assim dizer, um rapaz dotado de todos os atributos para um jovem da zona rural. Tinha acabado de concluir o ginásio estadual na escola da Vila. Para ajudar meus pais e irmãos menores, labutava na roça, ordenando vacas, plantando e colhendo os produtos que nos mantinham numa situação financeira razoável. Vistoso que era ( dizia minha mãe), tive algumas namoradas e alguns flertes, todos eles inconseqüentes, apenas passa-tempos. Nunca cheguei a me apaixonar por nenhuma delas, mesmo porque, nenhuma me atraiu e, assim, fui tocando a vida até a tarde em que fui dançar quadrilha... até o momento em que peguei nas delicadas mãos de Aninha, num dos passes da dança.
III
A quadrilha estava no auge, quando, por força do destino (existe?), eu tropecei e me lancei de supetão nos braços da jovem dançarina, a requisitada Aninha. Esperando ser desvencilhado de seus braços com um safanão, vi-me, abraçado por ela e, num gesto de carinho, passou a mão fina e delicada pelo meu rosto, dizendo-me ternamente, num sussurro que só eu pude ouvir: “ Casemiro, tenha calma...” e, me sorriu de uma maneira que eu o entendi como; “você é muito legal e, eu gosto de estar ao seu lado.” Imediatamente, passei o lenço xadrez pelo rosto e continuei a dançar, porém, agora com o coração a retumbar de alegria.
IV
A festa junina se esparramou até a meia noite, quando os convidados já satisfeitos com as iguarias e o quentão fervente, foram se despedindo dos anfitriões e, cada qual, carregando as prendas arrematadas no leilão beneficente ( o montante arrecadado era para a reforma da capela do bairro), se acomodavam em suas montarias, charretes e carros de bois , tocando-os pelas curvas sinuosas da estrada, acompanhados de quando em quando pelos pios de agourentas corujas. Eu, confesso fui um dos últimos a me despedir, procurando com esse ardil, ficar mais tempo da formosa Aninha. Foi sua mãe, a sinhá Percivalda que sem saber me proporcionou a chance de ficar junto á querida donzela. Procurando-me agradar, pediu para que a filha estimada fosse até cozinha buscar um bolão de fubá para presentear minha mãe. Num átimo ela saiu correndo para voltar logo em seguida com a prenda e, encabulada, notou que eu estava sozinho, que sua mãe tinha saído para dar atenção a outros convidados. Encabulados, permanecemos por alguns minutos até que ela, balbuciando, disse-me estar feliz com minha presença e, de que gostaria de me ver novamente. No momento, senti o rosto queimar e, trêmulo, balbuciei que logo, logo, eu a estaria visitando. Jogando-me o sorriso mais encantador que eu já tinha recebido, virou-se e, saiu correndo, com as tranças balançando, ao sabor da aragem da noite.
V
Depois dessa encantada noite e dos momentos vividos de magia, passamos a nos ver regularmente, até o dia em que consentimos em sermos namorados. Da parte dos nossos pais só houve alegria e palavras doces nos incentivando a nos amarmos cada vez mais, até o noivado e sua concretização: o casamento.
Namoramos por dois anos e, numa tarde outonal, à sombra deliciosa de um jatobá, ficamos noivos. Após um beijo ardente, coloquei em seu dedo anular da mão direita a aliança de ouro e, ela, com os olhos lacrimejantes, retribuiu o meu gesto e, num abraço forte, juramos amor eterno. Nosso noivado foi lindo, majestoso. Invariavelmente, nos víamos dia sim, dia não. A cada encontro nos supríamos as almas de beijos e carinhos ternos. Nunca houve de nossas partes. Volúpia ou lubricidade: respeitávamo-nos, e tínhamos decididos de que a concretização sexual só viria após o enlace nupcial. No momento especial só tivemos como testemunha um Bem-te-vi, que, sobre o galho da esplendorosa árvore, dizia-nos a todo instante: Bem-te-vi ... Bem-te-vi. Por incrível que possa parecer essa avezita nunca mais deixou de nos fazer companhia e, em todo lugar que íamos, nas redondezas do sítio ele fazia questão de nos acompanhar e cantar o seu canto característico: Bem-te-vi... bem-te-vi... bem-te-vi.
Amamos o nosso companheiro e testemunha de nossos carinhos até o dia em que...
VI
Até o dia em que aconteceu a maior tragédia de minha vida. Até o dia em que me senti o ser mais amaldiçoado da face da Terra. Até o dia em que desisti de viver como homem para ser um pária... um João-ninguém... um molambo e, tudo aconteceu como um raio numa noite escura... num relance deixei de ser feliz para ser infeliz, quando...
Era uma tarde fresca, amena, convidativa para um passeio na mata, onde corria um riacho que formava uma cachoeira linda com suas águas cristalinas. Tínhamos, na véspera, combinados de que iríamos nadar naquela tarde. Já tínhamos feito isso outras vezes e, sempre, nos regozijávamos com os banhos frescos, que, no início, as águas tinham a magia de eriçar os pelos de nossos corpos, causando-nos um bem-estar maravilhoso. Sentados na rocha por onde a água escorria em borbotões e espumas, conversávamos sobre os preparativos do casamento a realizar –se no mês vindouro e, absortos, não vimos uma cobra, mais precisamente uma jaracuçu, que identifiquei pela sua coloração e forma. Quando, a vi, foi tarde demais, pois, num bote certeiro ela mordeu o tornozelo alvo e delicado de minha amada. Angustiado, terrificado, levantei-me de um salto para matá-la e após socorrer minha doce noiva. Foi apenas um segundo ou menos, para a desgraça nos atingir. Ao tentar matar o monstro escorreguei na rocha e bati com a cabeça numa pedra, desmaiando, sem antes, porém, escutar ao longe ( embora estivesse num galho de um ingazeiro sobre o rio), o nosso companheiro cantar: bem-te-vi... bem-te-vi... bem-te-vi ...
VI
Estava já, sentado frente ao seu caixão, desde a manhã, quando ele chegou da Santa Casa. A sala estava repleta. Por todo lado se ouvia choros, choramingos e palavras de dor. Seus pais agonizavam numa dor sem tamanho pela perda de sua filha querida, que, tão jovem, deixou esse mundo. Meus pais tentavam me consolar com palavras amenas, mas, a dor que eu sentia era tanta que eu não os ouvia. À tarde, quando o féretro saiu para o cemitério municipal, eu me enveredei pela mata e fui despir minhas dores na cachoeira. Lá, permaneci até o dia seguinte, quando meu pai e alguns amigos foram me buscar. Como um bêbado, deixei me levar e, cambaleando cheguei à minha casa. Por alguns dias, não saí do quarto, nem ao menos para me alimentar e, quando o fazia era para ir fazer as necessidades e, voltava taciturno, para o meu refúgio.
VII
A vida tinha perdido o sentido para mim. Vivia como um autômato. A dor da perda irreparável tomava conta do meu corpo e ia, pouco a pouco, minando minhas forças e a vontade de viver. Passados alguns dias da tragédia é que eu fiquei sabendo de como ocorreu tamanha desgraça. Uma tarde, enquanto eu ficava à margem da estrada, tendo como companheiro solitário o fiel Bem-te-vi, meu pai me contou do ocorrido, falando que, como nós estávamos demorando pra chegar e já estava ficando escuro, chamou o seu amigo Manoel Belarmino e, juntos foram até a cachoeira, pois sabiam que era lá que sempre íamos. Grande foi a surpresa que tiveram quando me viram desmaiado sobre a pedra e a Aninha deitada e se contorcendo de dor. Após uma rápida inpeção pelo local depararam com a fera numa toca e a mataram sem piedade. Imediatamente foram buscar ajuda e nos levaram para a Santa Casa. Eu permaneci duas noites desacordado, voltando à realidade na manhã do velório da querida noiva, quando a tragédia já estava consumada.
Minha noiva morreu e, eu, não pude socorrê-la.
Desde então, tornei-me um desgraçado e, peço a Deus que me leve o mais breve possível ao paraíso, onde, certamente, ela estará.
Debruçado sobre o caixão disse-lhe baixinho: “ Querida Aninha, perdoe-me e, continuei, num débil sussurro... Bem, não te vi ser mordida pela cobra e, nem te socorri!”
Em algum lugar o nosso companheiro trinava : bem-te-vi... bem-te-vi... bem-te-vi.
ALDO
08-04-19
sexta-feira, 5 de abril de 2019
Um homem pusilânime
Joaquim Libório dos Santos Reis viveu uma vida indigna de ser contada em prosa e verso. Nasceu, cresceu e vive em cima dos seus sessenta e três anos na pacata Catioca, cidadezinha de quatro mil moradores, todos eles enraizados nas vielas e becos ligados por ruas de terra batida...O progresso ainda não bateu às portas da tranquila Vila, incrustada na Serra dos Macucos. Eu, aprendiz de escritor, passei uma temporada lá, me recuperando de uma crise de nervos, quando me separei da mulher que jurou me amar, porém, sem maiores explicações deixou-me e, fugiu com o Serapião Mendes, um tremendo janota de bigode a la Hitler. Assim, atendendo a conselhos médicos aluguei um quarto na única pensão da Vila: a pensão "Recanto feliz" da dona Maricota Sizenando e lá dormitei por dois meses e, pasmem, amigos leitores, engordei dois quilos pelas excelentes iguarias que me eram servidas nas três refeições.
Nesses dois meses tive a oportunidade de conviver com o nosso personagem, homem de boas maneiras, liso nas palavras e extremamente galanteador, chegando muitas vezes para conquistar uma donzela, garatujar nos papéis usados pra embrulhar pão, versos e choramingos, impossíveis de não ferir os corações ardentes por um grande amor.
Uma tarde em que estava fazendo minha sesta num banco de jardim na pequena praça da Matriz, ele, chegou-se a mim, sentou-se ao meu lado e passou a travar conversas, quando ficou sabendo de que eu era escritor (Nada famoso), que muito o impressionou. Sem maiores delongas, contou-me de um grande defeito que possuía: medroso, frouxo e temerário de qualquer situação que envolvesse um perigo, que fosse. Pensei comigo: trata-se de um pusilânime e, fiquei, por um bom tempo ouvindo seus temores, a ponto, de sentir os lábios inferiores tremerem e, a boca ficar seca(voltando novamente meus tiques nervosos?). Fui salvo de suas aventuras patéticas, quando o relógio da Matriz marcou o final do dia, acompanhado pelo revoar das andorinhas, que voltavam, felizes para os seus ninhos.
Nessa noite, perdi o sono e, fiquei até madrugada adentro relembrando os fatos contados pelo nosso anti-herói, os quais passo a relatar para que passem, acredito eu, a nutrir uma antipatia pelo Libório (como eu), a saber:
- Quando presenciava uma desavença, qualquer que fosse ela, se recolhia em sua mudez, para não dar palpites, evitando levar uns tabefes;
- Se ocorria uma briga no bar, onde estava tomando uma cerveja, imediatamente,s se enfiava embaixo de uma mesa e, lá ficava, como um cão esquálido, até que o entrevero terminasse;
- Uma vez, contou-me, uma criança caiu no ribeirão que corta a cidade e, só estava ele no local, não tinha mais ninguém, mesmo assim, preferiu sair correndo do que se atirar nas águas, embora raso, deixando a criança à própria sorte. Mais tarde soube que um andante que estava dormindo à sombra de uma árvore e, quando escutou os gritos agoniados da infante, se atirou na correnteza e, a salvou;
- Á noite,na hora de dormir, tinha que manter as luzes acesas e, sempre dormia no canto, deixando sua esposa na beirada e, só dormia de cabeça coberta...
Esses e outros fatos narrados me enojaram, a ponto, de, ao subir nos degraus do ônibus que, me levaria embora, e, ao despedir-me, do frouxo, não aguentei e o chamei de PUSILÂNIME e, entrei no coletivo, sem ouvir sua resposta.
Após uns vinte minutos, o meu companheiro de poltrona, disse-me: O seu amigo (amigo o cacete, pensei comigo), agradeceu o elogio de ser um pusilânime...
Arretado, maldisse o infeliz covarde, que nem o significado do "elogio" sabia.
Chegando em casa, sentei na máquina de escrever e escrevi o que publico agora, para vocês, meus fiéis seguidores.
Nesses dois meses tive a oportunidade de conviver com o nosso personagem, homem de boas maneiras, liso nas palavras e extremamente galanteador, chegando muitas vezes para conquistar uma donzela, garatujar nos papéis usados pra embrulhar pão, versos e choramingos, impossíveis de não ferir os corações ardentes por um grande amor.
Uma tarde em que estava fazendo minha sesta num banco de jardim na pequena praça da Matriz, ele, chegou-se a mim, sentou-se ao meu lado e passou a travar conversas, quando ficou sabendo de que eu era escritor (Nada famoso), que muito o impressionou. Sem maiores delongas, contou-me de um grande defeito que possuía: medroso, frouxo e temerário de qualquer situação que envolvesse um perigo, que fosse. Pensei comigo: trata-se de um pusilânime e, fiquei, por um bom tempo ouvindo seus temores, a ponto, de sentir os lábios inferiores tremerem e, a boca ficar seca(voltando novamente meus tiques nervosos?). Fui salvo de suas aventuras patéticas, quando o relógio da Matriz marcou o final do dia, acompanhado pelo revoar das andorinhas, que voltavam, felizes para os seus ninhos.
Nessa noite, perdi o sono e, fiquei até madrugada adentro relembrando os fatos contados pelo nosso anti-herói, os quais passo a relatar para que passem, acredito eu, a nutrir uma antipatia pelo Libório (como eu), a saber:
- Quando presenciava uma desavença, qualquer que fosse ela, se recolhia em sua mudez, para não dar palpites, evitando levar uns tabefes;
- Se ocorria uma briga no bar, onde estava tomando uma cerveja, imediatamente,s se enfiava embaixo de uma mesa e, lá ficava, como um cão esquálido, até que o entrevero terminasse;
- Uma vez, contou-me, uma criança caiu no ribeirão que corta a cidade e, só estava ele no local, não tinha mais ninguém, mesmo assim, preferiu sair correndo do que se atirar nas águas, embora raso, deixando a criança à própria sorte. Mais tarde soube que um andante que estava dormindo à sombra de uma árvore e, quando escutou os gritos agoniados da infante, se atirou na correnteza e, a salvou;
- Á noite,na hora de dormir, tinha que manter as luzes acesas e, sempre dormia no canto, deixando sua esposa na beirada e, só dormia de cabeça coberta...
Esses e outros fatos narrados me enojaram, a ponto, de, ao subir nos degraus do ônibus que, me levaria embora, e, ao despedir-me, do frouxo, não aguentei e o chamei de PUSILÂNIME e, entrei no coletivo, sem ouvir sua resposta.
Após uns vinte minutos, o meu companheiro de poltrona, disse-me: O seu amigo (amigo o cacete, pensei comigo), agradeceu o elogio de ser um pusilânime...
Arretado, maldisse o infeliz covarde, que nem o significado do "elogio" sabia.
Chegando em casa, sentei na máquina de escrever e escrevi o que publico agora, para vocês, meus fiéis seguidores.
terça-feira, 2 de abril de 2019
O PROXENETA - (MINICONTO, ou CONTITO)
Vestido como um doutor, Abílio Sinfrônio, se apresentou para Ana Cândida como "Proxeneta". Cândida se engabelou pelo "doutor" que trazia o pomposo título de "Proxeneta" (nunca soube o seu significado, até um dia em que...) e sonhou, muito sonhou. Uma noite, quando despertou para a realidade, se viu num mísero aposento, apenas uma cama e um criado mudo e à porta uma fila de homens mal-encarados e trêmulos de desejos. De moça ingênua da roça se transformou na mais requisitada prostituta da zona. O doutor, "proxeneta", ao recolher a "grana" da noite sempre lhe dava um beijo e dizia: "Amanhã, vou até um sítio buscar uma cabocla e, cofiando o bigodinho a "la Hitler" terminava dizendo: " Gente da roça é inocente, acredita em tudo, principalmente em PROXENETA."
Certa noite, ao ter em suas mãos um dicionário, Cândida, em um momento sem freguês, ficou sabendo do significado de PROXENETA :Rufião, explorador de mulheres, Cafetão.
Uma noite num acesso de fúria, quando o proxeneta dormia, bêbado como um gambá, pegou a tesoura e cortou os culhões do doutor Proxeneta e no buraco feito na carne colocou a maçaroca de papel que rasgou do dicionário e exclamou: " Filho da Puta, nunca mais você vai engabelar outra moça inocente como eu se fazendo passar por Doutor Proxeneta", e, rindo foi até a pequena rodoviária, tomou o ônibus e voltou para o seu sítio e mais tarde, num dia ensolarado casou-se com o Sanfoneiro Ditinho Sabiá. Do Proxeneta, nunca soube mais nada.
segunda-feira, 1 de abril de 2019
A PROSTITUTA
NESSA VIELA, ONDE MAL ENTRA O AR,
VICEJA A POBRE CORTESÃ DO VÍCIO
QUE, COMO QUALQUER QUE TEM OFÍCIO,
ALUGA O CORPO PARA O SUSTENTAR.
SEUS BEIJOS DÁ-OS JÁ SEM SACRIFÍCIO
A TODO AQUELE QUE QUISER BEIJAR.
E DE TANTOS GEMIDOS ABAFAR
SÓ NO SEU PEITO DE AIS SE ENCONTRA INDÍCIO.
TODA A TRISTEZA QUE HÁ NA VIDA - E É TANTA ! -
SEMPRE NESSA ALMA UM ECO VAI DEIXANDO
E PARA ALÍVIO DE SEUS MALES CANTA.
MAS JULGA A GENTE QUE ELA ESTÁ CANTANDO,
OUVINDO A VOZ GEMER-LHE NA GARGANTA,
ELA COITADA, ESTÁ MAS É CHORANDO.
LIVRO DAS CORTESÃS
MANUEL RIBEIRO
BEIJA - ALENTEJO - 1878
L&PM POCKET
2004
PG 94
O URUBU
O URUBU É UMA AVE DE BONS PRINCÍPIOS E CONDUTA ILIBADA.
PARA SER UM URUBU É NECESSÁRIO QUE CERTOS COMPORTAMENTOS
SEJAM OBSERVADOS E, TIDOS, COMO PERENES E, NÃO EFÊMEROS.
MUITAS AVES, EM DIAS DE FOME, DESEJAM SER URUBUS, POIS,
TODOS SABEMOS QUE, URUBUS, NÃO PRECISAM CAÇAR E NEM
MATAR SUAS PRESAS: ELAS JÁ SE APRESENTAM MORTAS E,
AS CARCAÇAS, APÓS UM TEMPO NO TEMPO, SE DETERIORAM,
TORNANDO-SE PARA ELES, APETITOSOS MANJARES.
MAS, COMO DISSE ANTES, PARA SER UM BELO ESPÉCIME
DESSA AVE "CARNICEIRA" ALGUNS CARACTERÍSTICAS SÃO
NECESSÁRIAS, AS QUAIS, PASSAREI A ENUMERAR...NÃO MUITAS.
1. É NECESSÁRIO TER AS PENAS PRETAS, POIS, ANTE AO CADÁVER,
DEVE APRESENTAR-SE COM RESPEITO, PORTANTO, SEMPRE DE LUTO;
2. DEVE TER OS OLHOS DE LINCE, PARA ENXERGAR SEUS "MANJARES"
DE GRANDES ALTITUDES, POIS, NÃO SE COLOCA COMO UMA SIMPLES AVE RASTEIRA;
3. NÃO PODE RECUSAR NENHUMA "IGUARIA", MESMO QUE ESTEJA NAUSEABUNDA PARA
OUTROS VIVENTES;
4. TODA VEZ QUE ENCONTRAR UM "MANJAR APODRECIDO", DEVE CROCITAR COMO SE
TIVESSE ENTOANDO UMA ÁRIA DE CHOPIN...
ENFIM, SER URUBU, É SER UM SER, DESTITUÍDO DE ORGULHO, ASCO E PIEDADE...
EU, AFIRMO, COM CONVICÇÃO;
EM OUTRA REENCARNAÇÃO (SE HOUVER), NÃO QUERO SER URUBU!
ODEIO ME VESTIR DE PRETO PARA... VELAR MORTOS!
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