segunda-feira, 22 de abril de 2019

O MÁGICO JOSINALDO PROCÓPIO NEVES (MANDRAKE) NOS TEMPOS DE CRISE


(uma história que me foi relatada pelo primo do mágico)

Não nasceu mágico.
Tornou-se mágico após fazer um curso de mágicas a distância pelo renomado Instituto Dom Bosco, que oferecia cursos de toda natureza. Antes, bem antes, quando era mais jovem, tinha pensado em fazer o curso de fotografia, mas, sabendo dos custos dos materiais que iria usar, preferiu optar pelo de mágico: apenas uma cartola, um fraque, alguns lenços, um baralho e outras coisas mais; nada que alterasse em muito o seu parco orçamento.
Após seis meses de curso e algumas mágicas bem feitas e, claro, algumas fracassadas, ele, sentiu-se apto a se apresentar diante do grande público, de preferência um circo.
Para sua sorte, chegou e se instalou em sua cidade o Circo “Casca Grossa”, com dois leões, alguns macacos, um urso desdentado, três cachorros ensinados e os artistas costumeiros, ou seja, palhaços, trapezistas, contorcionistas (mulher sapo e homem cobra) e um mágico. Para encurtar a conversa, amigo leitor, conto que o mágico em questão, caiu de um trapézio (acumulava essa função) e, quebrou o braço, ficando por alguns meses impedido de realizar tão importante apresentação.
Foi a chance tão esperada pelo nosso herói Josinaldo, que, dirigindo-se ao circo, sem nenhuma pretensão de se tornar mágico, foi imediatamente contratado pelo proprietário, pois, as duas sessões de domingo , arrematou ele, não podiam acontecer sem o mágico. As mágicas constituíam as delícias da platéia, quase que exclusivamente de crianças, acompanhadas pelos seus pais e parentes próximos.
Josinaldo, até então, não tinha escolhido nenhum apelido e foi uma exigência do proprietário do circo que ele trocasse de nome, justificando:” onde se viu um mágico que se preste chamar JOSINALDO!, e, concluiu, fica melhor MANDRAKE.”
Quando chegou à casa contou para a sua querida patroa de que ele estava empregado no circo e que, estava no fim o tempo de “vacas magras”. Nessa noite ele não precisou fazer mágicas para ter todos os carinhos e afagos da sensual Ritinha Neves.
Em sua primeira apresentação no circo, diante de uma plateia considerada, ele fez mágicas das mais variadas, inclusive tirando dois coelhos e cinco pombos da cartola, além de dezenas de lenços de seda e claro, flores, que eram distribuídas pelos palhaços às donzelas presentes.
Desnecessário dizer que o nosso “Mandrake”, estava indo de vento em popa, a ponto de comprar um belo carro, uma televisão colorida e uma bicicleta para a caçula Josinalva, chamada carinhosamente de Josi. Para os outros dois filhos dava uma mesada substanciosa e, assim, levou a vida por um bom tempo até que...
Até que rompeu a crise em nosso querido Brasil... até que o Presidente Collor, em um dos seus famosos rompantes, bloqueou a poupança e fez com que os brasileiros apertassem o cinto e, se virassem, como pudessem, para sobreviverem.
Com a crise, o circo foi minguando, minguando, até o dia em que o dono descerrou as lonas e deu cabo de tudo. Os animais foram vendidos, os artistas despedidos (entre eles o nosso mágico) e, no local só ficou os buracos dos postes e as fezes dos animais, exalando um cheiro nauseabundo pelas cercanias.
Agora, desempregado, Josinaldo começou a ter problemas em sua casa. Todo dia tinha que escutar a ladainha da Ritinha que exigia melhores condições de vida, isso, quando não eram os filhos cobrarem a sua responsabilidade nas despesas do dia a dia. À bem da verdade, o nosso mágico já estava ficando de “saco cheio” com as cobranças e o ápice foi quando a “patroa” lhe vociferou na cara que ele precisava fazer suas mágicas dentro de casa e, arrematou, sacudindo os “bobs” dos cabelos: “Por que você não faz suas mágicas e não tira um coelho para o nosso almoço?”.
Estupefato, não acreditando no que tinha acabado de ouvir, sentou-se em sua poltrona preferida e pôs-se a meditar e, muito meditou. Sem falar com ninguém foi até o seu quarto de despejo onde estavam guardados os seus apetrechos de mágica e, com lentos movimentos vestiu o fraque, colocou a cartola e foi para a cozinha. Lá chegando, sem se dirigir a ninguém, fez uns trejeitos e tirou de dentro da cartola um pombo de penas brancas e peito redondo: estava gordo de dar gosto. Com gosto a senhora Ritinha depenou a pobre ave que tantas glórias tinha recebido no palco do circo “Casca Grossa”, e a cozinhou, servindo-a numa travessa de porcelana. Com exceção do mágico, todos os demais se deleitaram na carne macia.
E, assim se sucedeu inúmeras vezes. Certa feita ela exigiu do seu mágico que tirasse da cartola dois coelhos, pois, sua mãe e tios ficaram de vir almoçar no domingo, A contragosto ele assim o fez. Acostumada com as mágicas que lhe rendiam ótimos almoços, ala passou a exigir mais do infeliz marido, a ponto de, num certo feriado obrigá-lo a tirar da cartola um rechonchudo leitão. Muito a contragosto ele assim o fez e, em minutos tinha às mãos o bichinho que num passe de mágica foi repousar numa bandeja no forno aquecido.
Dias e meses se passaram. Impossível dizer a quantidade de animais que o nosso “Mandrake” tirou da sua cartola. Infeliz pela odiosa missão, ele passou a ficar mais tempo do que o costume “jururu” na rede, no fundo do quintal.
Certa vez, a patroa o surpreendeu falando sozinho e pôde escutar, alarmada, ele proferir a seguinte sentença: “ Vou tirar um revolver da cartola e matá-la”. Imediatamente, ela correu pra dentro e, foi até o oratório rezar para sua santa protetora: Santa Genoveva, pedindo-lhe que a protegesse.
Uma tarde de domingo, após o almoço, quando Josinaldo tirou de dentro da cartola dois frangos e um coelho (tinha convidados) e, estando os comensais descansando sob a sombra da jaqueira, digerindo as iguarias, ele, foi até o quarto do casal e, fez a sua última mágica...
Por vários dias as autoridades e familiares procuraram a senhora Ritinha em vão, até que, o delegado de polícia a deu como desaparecida. Cartazes foram feitos, mas, tudo em vão. O tempo passou e, Josinaldo, agora “viúvo”, voltou a procurar um circo pra fazer suas mágicas e ganhar alguns trocados. Os filhos optaram em morar com os avôs.
Um dia, em suas constantes viagens, encontrou um circo. Não era um circo grandioso, mas, pensou, para reiniciar os trabalhos, serve. Assim, aos sábados e domingos, apresentava suas mágicas e, tinha enorme sucesso. Só uma coisa o chateava : Toda vez que ia se apresentar, tinha antes de fazer uma mágica: tirar sua odiosa mulher da cartola e colocá-la numa gaiola junto com os pombos, pois, de maneira alguma podia cometer um erro e tirar de dentro da cartola a “bruaca” na frente do público.
Ah, sobre o revólver: ele o tinha, mas toda vez que apertava o gatilho saía pelo cano uma rosa... era a mágica que mais impressionava o público.
De mágica em mágica, Josinaldo, seguiu pela vida e, aconchegada no forro macio da cartola, a sua “patroa”, a senhora Rita do Rosário Neves.
ALDO DE AGUIAR
22-4-19


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