Até os doze anos de idade, Jezebel foi uma menina comum, sem nada que revelasse problema de qualquer natureza, tanto físico quanto emocional. Vivia em completa liberdade junto a seus irmãos e pais na pequena propriedade rural do Bairro de Três Lagoas no vizinho município de Águas Claras. Quando lá estive como professor substituto de escola isolada, me instalei em sua casa, pagando pequeno aluguel; o suficiente para que me fosse servido duas refeições diárias, banho e um pequeno quarto com um catre de madeira e uma mesa onde ficava a lamparina e meus poucos pertences. A renda da família vinha do leite tirado de algumas vacas e a venda de hortaliças de uma horta que ficava no fundo da escola. Tudo trancorria normalmente e assim o foi até meados de setembro quando fui transferido para outra escola de um bairro vizinho. Ao me mudar e ao me despedir dos meus anfitriões notei pela primeira vez que Jezebel não estava bem. Sua aparência não me agradou. Tinha duas olheiras profundas e escuras que circundavam os olhos e, isto aconteceu repentinamente, talvez nesta ou em recentes noites passadas, deduzi. Preocupado, pois gostava muito da menina, perguntei o que estava lhe acontecendo e ela, meio sem jeito, me respondeu que não estava conseguindo dormir por causa de uns pesadelos que vinha tendo e que nunca tinha se lembrado de sonhar um sonho gostoso; só pesadelos, acrescentou. Mesmo insatisfeito pelo relato da garota, arreei meu cavalo, coloquei meus pertences e troteando fui embora para novas plagas. Sem olhar para trás, passei por debaixo da enorme jaqueira, abri a porteira e segui viagem, porém, antes de virar a curva da estrada prometi a mim mesmo que no mais tardar , antes do natal viria visitá-la. Os meses praticamente voaram e logo me vi despedindo dos meus novos alunos e arrumando minhas tralhas para retornar à cidade. No caminho de volta, entrei por um atalho que me conduziu até o sítio da menina Jezebel, lá chegando por volta das duas horas da tarde. Com um aceno da cabeça cumprimentei o seu Jesuíno e sua mulher Dona Jerusa e atendendo aos seus convites apeei do cavalo e fui me sentar na varanda junto a eles. Conversa vai, conversa vem e, entre um copo e outro de refresco, perguntei da menina Jezebel; como estava, se melhorou dos pesadelos, enfim, queria notícias. A resposta que me deram me deixou ainda mais preocupado: Disseram que Jezebel praticamente não dormia; que tinha terríveis pesadelos e que já estavam desacorçoados, que os médicos não sabiam mais o que fazer. Não se passaram alguns minutos quando ela chegou até nós. Tinha os cabelos trançados em uma única e comprida trança; estava mais magra e o que mais me intrigou: As olheiras saltavam do rosto como se fossem duas crostas de ferida. Titubeando, perguntei-lhe se os pesadelos tinham saído de suas noites; se em seu lugar os sonhos estavam povoando a sua mente de menina-moça. Enrolando um fio de lã nas mãos e, meio sem jeito, ou melhor, bastante acanhada, respondeu-me de que vivia à mercê de terríveis pesadelos. Mas, perguntei-lhe, como sao estes pesadelos? São medonhos, disse: Assombrações. morte, monstros, doenças, desastres e pessoas que fazem maldade, muita maldade. Confesso que por alguns instantes tive os olhos lacrimejantes, mas consegui manter a postura de professor. Sempre acreditei que um professor tem o direito e dever de ajudar seus alunos ou ex-alunos, como no caso de Jezebel. Falei-lhe muito sobre Deus e sua infinita bondade; que Ele somente Ele poderia ajudá-la e de que em minhas orações iria pedir a Sua interseccão por ela. Consternado pela gravidade da situação despedi-me deles e encetei viagem de volta para meu lar, pois estava de féria escolares. Como a vida não para, tive várias idas e vindas por diversas regiões, sempre lecionando em escolas de zona rural, mas sempre me lembrando da pequena Jezebel e seus terríveis pesadelos, até que por obra do destino, creio eu, voltei após 4 anos para a mesma escola do bairro onde Jezebel mora. Lá chegando, encontrei a casa da mesma maneira; a jaqueira imponente em seu tamanho; as vacas soltas no pasto e, o mais interessante: A família reunida no alpendre a me esperar. Lá estava o casal e seus filhos e dentre eles, já crescida e mocinha a enigmática Jezebel. Após as apresentações e cumprimentos de praxe me fixei mais em Jezebel e a surpresa, para não falar de susto, tomou conta de mim. Não era mais aquela menina esquálida e retraída. Agora, já nos seus dezesseis anos tinha o corpo de mulher embora uns detalhes tenha me chamado mais a atenção: além das costumeiras olheiras, tinha muito pelo no corpo, tanto no rosto, quanto nos braços, nas pernas e um buço muito escuro. Cansado pela viagem decidi que no dia seguinte conversaria melhor com ela e, confesso, nesta noite tive pela primeira vez terríveis pesadelos. O dia amanheceu radioso; pássaros gorgeavam nas laranjeiras; borboletas esvoaçavam pelas flores e uma brisa amena soprava, vindo dos morros para o quintal da casa. Ao cantar rouco do galo carijó apareceu ao meu lado a Jezebel que, sem maiores preâmbulos sentou-se ao meu lado e sem que eu lhe perguntasse nada, começou a falar aos borbotões. Falou, falou e falou de seus pesadelos e o último que teve no último dia , ou melhor, noite, do mês de fevereiro,Estávamos vivendo o dia dois de abril, portanto, um pesadelo não muito recente. De tudo o que disse ficou marcado o seguinte: " ... no pesadelo eu era uma domadora de animais de circo, mais precisamente, de macacos. Tinha uma chimpanzé de nome Balduína que eu judiava mais, pois , ela era insubmissa. Batia muito nela com um chicote e a deixava sempre sem comida... no pesadelo eu me transformo em macaca e tem sempre alguém que judia de mim, bate e me deixa com fome... sabe, professor Micael, eu acho que incorporei esta macaca em minha vida no dia a dia... gosto de subir em árvores; comer banana nanica e, até pelos pelo corpo estão crescendo em mim... não reajo e até gosto, pois desde este pesadelo nunca mais os tive... se for preciso virar macaca para ficar livre deles, eu aceito." É claro que fiquei horrorizado pela revelação. Onde se viu alguém se trensformar em macaca? Vai contra as leis de Deus... mas, que a Jezebel parecia uma macaca... Oh! Deus me livre desta observação, me reprendi. Por "Coisas da Vida" logo me vi indo embora para outro município e, confesso que acabei esquecendo por uns bons anos de Jezebel e sua história intrigante. Também por "Coisas da Vida" acabei vindo a ser Diretor de Escola no município da famíla de Jezebel. Após a Semana Santa, convidei o vice-diretor de escola professor Paulo Fernandes ( Parente) para irmos fazer uma visita a enigmática figura de Jezebel, Na estrada contei-lhe toda a história. Sensível como era, chegou a deitar algumas lágrimas nos olhos. Lá pelas quatro horas da tarde chegamos no sítio e fomos recebido pelo casal e filhos, mas, faltou no encontro a Jezebel. Angustiado, já prevendo uma tragédia, perguntei da "menina", onde estava? Com lágrimas nos olhos Dona Jesuína nos contou de que Jezebel deu de viver só trepada na jaqueira e outras ávores do sítio; a se portar como se macaca fosse e, que isto durou alguns meses... sem mais nem menos, continuou ela, a Jezebel passou a sorrir como nunca antes o fizera e a dizer que era feliz, muito feliz, pois, ao encarnar em si a alma de uma chimpanzé que ela muito judiou em outra vida, passou a SONHAR em vez de ter pesadelos...
Mas, então ela sarou, disse aos seus pais...
Qual o que, professor,,, Sonhando agora toda noite, ela nos contou que era uma arara e que iria voar para bem alto e bem longe... só estava esperando os pelos cairem do corpo e em seu lugar nascerem as penas multicoloridas... até sementes de girassol ela passou a consumir no lugar de bananas nanicas...
E, o que aconteceu, perguntei, já antevendo a resposta.
Uma tarde, sem que ninguém pudesse fazer nada em contrário, ela subiu no galho mais alto da jaqueira e disse que ia realizar o seu mais querido sonho: se transformar em uma arara e voar...
Consternado pelo trágico desfecho dos pesadelos e agora SONHO de Jezebel, liguei o carro, contornei o curral e dei adeus para aquele triste rincão de terra, mas, antes passei pelo pequeno cemitério do bairro e depositei, pelo sim, pelo não, bananas nanicas no amontoado de terra batida do túmulo da pequena Jezebel. Em tempo, o amigo Paulo Fernandes depositou algumas sementes de girassol na terra mirrada.
segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011
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