Estava eu, como sempre o fazia, às 11 horas da manhã sentado no banco da praça ao lado do coreto, frente à Matriz de São Judas, quando vi dois caminhões enfeitados adentrarem na rua principal que ladeia a citada praça. Em Platina, pequena cidade, a rua principal se inicia ao lado da praça, corta-a e sai em direção ao campo de futebol no outro extremo do município. Não possue em extensão mais de que 500 metros. Dos dois lados da via principal situam-se os comércios e os casarões; remanescentes do Brasil colonial. Em tempos idos, Platina se projetou como a capital do café. Sediou Barões, Viscondes e Duques, sem falar nos coronéis que mandavam e desmandavam nos pacatos munícipes. Hoje, sua vida é marcada pela rotina de alguns comércios de secos& molhados e de hortifrutogranjeiros. A vida social é praticamente insignificante: possui um clube que vive mais fechado do que aberto. O que realmente anima os Platinenses são as festas religiosas e as gincanas promovidas pelo Grupo Escolar "Professor Rochinha Matos".Bom, mas vamos ao que me chamou a atenção nesta manhã encalorada: os dois caminhões enfeitados que cruzaram a Av. Dr. Mariozinho Serafim Leite. Eram veículos já um pouco gastos com suas lataria amassadas; porém, traziam letreiros pintados com cores esfuziantes o que os faziam serem notados sem a mínima dificuldade. Em um deles pude ler: " CIRCO IRMÃOS BELIZÁRIOS" " A DIVERSÃO PARA TODOS" ' LEÕES, TRAPEZISTAS, EQUILIBRISTAS E O PALHAÇO JANJÃO PATOLA." Em pouco tempo a garotada fazia procissão atrás dos caminhões. Na carroceria do primeiro, sobre a jaula de um leão esquálido um palhaço arremessava ingressos para a criançada. Entre o buzinaço e o ribombar de um surdo o desfile prosseguiu até o campo de futebol. Mais tarde ficou-se sabendo que o "grandioso" circo se instalaria em Platina e aí permaneceria por 10 dias. Não deixa de ser um bem para a cidade, pensei com os meus botões, a vida vai ficar mais animada com esta atração, arrematei em meus pensamentos de admirador das artes circences. Ao me levantar para me recolher em meus aposentos caiu dos meu colo um ingresso para a noite de estréia. Bom, já era um excelente sinal de que o circo me queria como espectador.
A folhinha com a estampa de São Jorge atacando o dragão, oferta da Farmácia "Zéquinha Pedroso" marcava em vermelho( feriado) o sábado de inauguração do circo: 7 de setembro. O ano era o de hum mil, novecentos e cinquenta e oito. Eu fazia aniversário e, como presente ganhei mais quatro ingressos. Fui ao primeiro espetáculo circence do circo "IRMÃOS BELIZÁRIOS". Como era noite de inauguração o recinto estava lotado. Muitos moleques ainda tentavam entrar por debaixo da lona, mas eram rispidamente enxotados pelos seguranças. Antes do espetáculo circulavam dentre os espectadores bonitas jovens vendendo pirulito, amendoins torrados, algodão doce, dropes e balas e tantas outras guluseimas. Era noite de festa.
No picadeiro uma banda formada por 4 músicos entoavam alguns dobrados. Era uma estratégia para manter o público em paz e gastando até que o verdadeiro "espetáculo" começasse. Às nove horas em ponto soaram duas trombetas e os artistas entraram no palco, Foi um delírio geral. Palmas e assiovios estrondaram no aconhego das lonas esticadas. Durante duas horas todos ficamos absorvidos pelos números apresentados. De que eu mais gostei foi a apresentação dos trapezistas e, fiquei embevecido pela destreza e beleza da artista que liderava os outros dois. Além de linda; de um corpo prefeito, não tinha medo de voar pelos ares. Durante a apresentação não desgrudei os olhos dela e, durante os dias que antecederam o próximo espetáculo só tive pensamentos para ela. Cumpre registrar que eu tinha acabado de completar dezoito anos, portanto, estava no auge de minhas emoções, além do que era um sonhador contumaz.
Chegou o tão esperado segundo dia de apresentação. Creio que eu fui o primeiro a adentrar no recinto e ocupar a cadeira bem próxima do picadeiro. Com o coração galopante esperei o início do espetáculo. Não tive olhos para os números do palhaço, do leão e de outras apresentações. Fiquei sim, em êxtase quando o locutor anunciou o número dos trapezistas. Com o peito empolado e a voz grave vociferou: " Agora, teremos a apresentação dos irmãos Belizários... os ases do trapézio." As luzes se apagaram e quando se acenderam novamente os três artistas estavam frente à frente com o delirante público. Ela estava vestida de um maiô azul colante no corpo e trazia uma capa de veludo, também azul jogada nas costas. Em um relance ela tirou a capa e desfilou só de maiô em torno do picadeiro. Ao passar por mim pude notar com maior clareza o quanto ela era bela. Neste instante me vi terrivelmente apaixonado pela sensual e intrépida trapezista. Delirei em suas idas e vindas pelo espaço. Aplaudi como um louco às suas revoluções e senti o coração agoniado quando ela se joagava no espaço em busca das mãos seguras de seus companheiros.
Assim, por quinze noites vivi tresloucado amor. Amava a bela trapezista, embora em momento algum tenha trocado uma palavra sequer com ela. Quando voltava para casa após o término do espetáculo varava a noite e a madrugada a pensar nela. Sonhava e sonhava. Me vi várias vezes ao seu lado desfrutando de seus abraços e beijos. Muitas vezes tive polução noturna. O que fazer? Era o clamor do sexo no auge da minha idade.
Foi na última noite de espetáculo que tudo aconteceu. Estava como sempre sentado na primeira fileira quando os irmãos trapezistas se fizeram aparecer no picadeiro. Num ímpeto incontrolável me levantei da cadeira e gritei o seu nome ( já tinha perguntado para um trabalhador braçal do circo o seu nome): "ADELITA!!!!!! Quando ela ia se dirigindo para a escada que a conduziria no píncaro do circo, ela se voltou e me lançou um olhar e continuou sua trajetória. Um olhar apenas e que bastou para me fazer feliz pelo resto da noite. No dia seguinte o circo desmontou suas lonas, carregou os caminhões e partiu para sempre de Platina.
Hoje, passados cincoenta e três anos e eu completando setenta e hum anos ainda não me esqueço daquela bela trapezista e do olhar que me lançou. Estou sentado à mesa de um barzinho na bucólica Platina tomando uma cerveja e rememorando o passado, Neste mesmo lugar ficava o picadeiro do circo "IRMÃOS BELIZÁRIOS". Neste mesmo lugar em uma noite distante o primeiro e inesquecível amor de minha vida me lançou um olhar... Ainda que tenha sido um OLHAR FUGAZ.
terça-feira, 2 de agosto de 2011
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