terça-feira, 21 de julho de 2015

A SARJETA!

A sarjeta estava suja de dar nojo.
A enxurrada chegou e lavou a sarjeta, que ficou limpa, de dar gosto.
Sempre que eu podia ficava horas e horas deitado na sarjeta: e, era bom.
Algumas vezes um bêbado distraído jogava uma bita de cigarro sobre mim;
Outras vezes era um cão vira-lata sarnento que mijava sobre o meu corpo.
Nada disto me importava: o que eu gostava mesmo era de tirar um cochilo ao relento.
Quando a tarde se ía e a noite chegava eu me cobria com uns jornais velhos e dormia.
Sempre gostei de dormir ao relento e, adorava quando a coruja piava no cimo da Matriz.
À noite, na sarjeta eu sonhava os sonhos mais deliciosos que me embalavam.
Pesadelos se os tive, não sei dizer, mesmo porque, eu dormia embriagado   de estrelas.
Quando a Lua teimosa não aparecia eu me contorcia todo e ficava na forma fetal.
Mas, se a Lua, aparecia, eu me esticava todo e ficava até com dor no pescoço de olhá-la.
A sarjeta já estava se amoldando ao meu corpo, como o barro se amolda nas mãos do oleiro.
Éramos, por assim dizer, um corpo uno, e, o que um sentia o outro também sentia.
Não éramos amantes, pois há muito deixei de amar o que quer que seja, embora ainda sinta.
A sarjeta toda tarde expulsava do seu leito as misérias do dia a dia, para me receber.
Nunca, mas, nunca mesmo, ela me contrariou, mesmo quando uma vez eu defequei em si.
Certa vez, ela implorou para que eu não recebesse outro corpo em seu leito nupcial.
Relutei muito em não fazê-lo, mas uma noite de breu eu fiz amor com uma prostituta.
Assim que amanheceu, choveu torrencialmente e levou a prostituta e seus cabelos para longe.
Em represália, a sarjeta, deixou de me receber por três noites, onde dormi no banco da praça.
Quando, amuado, regressei para os seus braços (da sarjeta) ela se regozijou e me fez festa.
Assim, vivi, durante mil anos, até que o tempo me fez pedra e me colou às pedras do leito.
Hoje, sou uma sarjeta que recebe os escarros; os mijos, e as podridões dos homens.
Se sou feliz ou não, pouco me importa, o que importa é que não sou mais HUMANO.

Nenhum comentário:

Postar um comentário