quinta-feira, 30 de julho de 2015

A FRASE QUE NÃO CONSEGUI ESCREVER!

Frente ao mar me coloquei  de joelhos e com a ponta da bengala me dispus a escrever a frase confissão de uma vida inteira; de uma vida de alegrias e tristezas; de amores e desamores; de ilusões e desilusões; de verdades e mentiras, enfim, de uma vida pontilhada pela incessante procura do não existente; da incessante procura pela magia do desconhecido e, por último, pela procura da tão sonhada FELICIDADE!
Vivi uma vida trilhando sendas tortuosas, escorregadias e repletas de seixos pontiagudos que muito feriram meus membros e me impigiram feridas e cicatrizes horripilantes que as trago agora, frente ao mar, expostas para serem  vilipendiadas pelo sol calcinante e pelo sal das águas que não me querem banhar, mas sim, causar mais dor ao corpo que se apega ao esqueleto como se fora a sua última âncora.
Frente ao mar e de joelhos inicio a frase que talvez, vá redimir os meus pecados e tolos anseios e, escrevo na areia fina fazendo-a folha de papel vertiginosamente branca.
No céu esplendorosamente belo algumas nuvens dançam imitando belas mulheres de um califado qualquer. O mar, ora se agiganta, ora se aquieta e, indiferente aos meus temores chega até mim e, ri, no marujar das ondas incessantes.
Algumas procelas voam indifrerente ao teatro que se descortina aos seus olhos argutos e, em revoadas magníficas se juntam as outras centenas de aves marinhas. Umas piam, outras grasnam, mas todas sem exceção não dão a mínima para mim. Com o rabo dos olhos procuro dentre elas uma, apenas uma, que de mim se apiede... tarefa inglória.
Inicio a frase, apenas um fraco sulco na areia e... uma onda a apaga;
Risco rapidamente duas palavras mas, um siri rastejou sobre elas e as apaga;
Frenéticamente escrevo três palavras, em vão, um cardume de enxovas se espadana sobre elas, e as apaga;
Fico de cócoras e escrevo quase toda a frase, mas, um casal de namorados passa e pisa nela, e, a apaga;
Fico em estado de êxtase, pois a bengala, já gasta, se torna apenas um toco, mas prossigo.
Com frenesi escrevo a frase quase por inteira, embora escrevê-la seja neste momento um ato hercúleo, quase insano, pois tenho os membros enregelados e paralisados, até porque faz cinco anos que estou de joelhos tentanto, tantando e tentando.
Pelo passar do tempo fui me enfurnando cada vez mais nas areias movediças e, trêmulo constato que só tenho o tronco fora do sumidouro. Os dedos já se foram de tanto riscar o solo arenoso. Agora, tento escrever a frase usando os cotos dos braços ( a bengala desgastou até virar uma lasca minúscula). O inverno chegou trazendo uma ventania bravia que só me faz aprofundar cada vez mais no areal.
A frase está quase completa. Faltam apenas duas palavras. Sei que vou conseguir, embora já não tenha mais os olhos (bicados que foram por um corvo), mas, mesmo assim sei o que já escrevi.
Enfim, buscando forças nos últimos fragmentos do cérebro; nos últimos estertores do coração e na última agonia da alma, escrevo:
" karina você foi a única mulher que me fez fe"
Uma golfada de água gelada despencou sobre mim e me enterrou vivo  e, eu, amaldiçoando a inútil tentativa de terminar a frase uivei e, sumi, para sempre.

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