segunda-feira, 26 de junho de 2017

O GATO DA SRA. CLOTILDE

A SRA. CLOTILDE

A sra. Clotilde mora num casarão da Rua dos Bentos, na Vila de Jupiai. É viúva e, por opção (me contou um dia) nunca mais se interessou por homem algum, embora tenha chovido pretendentes, já que, o finado, tinha lhe deixado uma pensão substanciosa, da aposentadoria de  Coletor Estadual, Sempre morou no casarão de cinco quartos e outros aposentos; todos mobiliados com zelo e cuidados com perfeição pela prendada senhora. Com  56 anos de idade, ainda atraía muitos viúvos, separados e, solteiros que, se não fosse por amor, seria pelo dinheiro, que engordava os cofres da Caixa Estadual. Não tinha defeitos. Todo o tempo em que fomos vizinhos só pude admirá-la e, vez por outra, sentia uma pontada no peito, principalmente, quando ela desfilava na praça aos domingos, rebolando as cadeiras volumosas, mas, nada que tivesse futuro. Como passatempo predileto a respeitável senhora, vivia acarinhando e carregando para baixo e para cima dentre os braços finos e perfumados um belo gato, que sempre, ao ser alisado, ronronava, com trejeitos de um perfeito cavalheiro.

O GATO

O gato era um siamês prateado, de pelos luzidios, bigodes avantajados, olhos iridescentes e patas almofadadas, embora guardassem unhas aduncas. Era robusto, isto, pela alimentação carregada de vitaminas, sais minerais e, afins, que o mantinham sempre belo e invejado pelos outros bichanos da redondeza. Toda gata da Vila, quando entrava no cio, ficavam loucas, desvairadas ,não tanto pelo ardor do cio, mas, sim, pelo desejo inaudito de acasalar com o "Don Juan". Desnecessário dizer que sua dona, não o permitia. Somente gatas de raça, sadias, bonitas e sensuais eram oferecidas ao "Pomposo" ( apesar do nome era macho, muito macho). Vivendo uma vida despreocupada ele não se aventurava pelas noites escuras deslizando nos telhados dos casarões em busca de amores proibidos. Seu passatempo predileto era ficar deitado sobre o alpendre da janela tomando sol e se espreguiçando morosamente. Digamos, para ser mais precisos, de que ele era um perfeito janota


EU

Sou um homem simples. Tenho 48 anos incompletos e sou do signo de leão. Há pouco tempo me separei da mulher que jurei amar e permanecer com ela até a morte. Morreu o amor. Não sou gordo e nem magro. Digamos que sou comum, apenas, um homem que mora sozinho, que vive solitário numa casa de cinco cômodos na mesma Vila da sra. Clotilde, minha especial vizinha. Não tenho parentes. Vivo recluso, dentro das minhas desilusões. Sou um homem apessoado, visto-me regularmente e sou asseado. Não gosto da vida mundana e, ocasionalmente vou à alguma quermesse, onde arremato uns bolos e alguns frangos assados: refeições da semana. Tenho 1,75 cm de altura, cabelos grisalhos e cacheados. Ostento na boca uma bela dentadura natural, que me permite quebrar torresmos purucas e pedaços de rapadura. Sou saudável e creio que bom dos miolos, Não tenho inimigos e, amigos, uns dois ou três (verdadeiros).  Se me perguntam o motivo de viver, só, eu respondo, de prontidão: " Antes só, do que mal acompanhado". De vez em quando; uma vez por mês , para ser mais preciso, frequento a casa de tolerância da Ritinha, onde, descarrego os meus desejos carnais nos braços e no colo da morena Lazinha. E, isto, me basta.
Ah, cumpre falar da vizinha do lado esquerdo, a sra, Francelina, também viúva, e já chegada na casa dos 80 anos. Uma senhora distinta e bondosa, que tinha por hábito colocar sob o alpendre da minha janela, toda manhã, invariavelmente, faça sol ou chuva, um pedaço delicioso e cheiroso de torta. A cada dia, ela variava os sabores. Ora, de frango, ora de palmito e, assim, por diante e, continuou, por muito tempo até que...


O ENTREVERO

Até que, numa manhã radiosa de um mês qualquer, quando os canários trinavam nos galhos das goiabeiras e laranjeiras, abri a janela, com cuidado, como o fazia todas as manhãs , para apanhar e degustar o pedaço de torta e, nada encontrei. Surpreso, pensei comigo: "A sra Francelina deve estar acamada", pois, ela nunca me deixou faltar a torta e, só um motivo muito forte, a faria falhar neste bondoso intento. Preocupado, fechei a janela e fui até a cozinha e, nesta manhã, tomei café com um pedaço de bolão de fubá, já duro ( prenda da última quermesse).  Minha alegria explodiu quando visualizei a bondosa viúva varrendo a frente da casa. Hummm, resmunguei, amanhã, certamente, terei a minha torta.
A manhã, despontou, cinzenta. Algumas nuvens escuras pairavam no céu. Um cão latiu ao longe. Com passos morosos, fui até a janela para pegar a minha prenda. Surpresa! Não tinha nada. Curioso, fui até a casa da senhora prendada e lhe perguntei à queima-roupa, o porquê de não mais me presentear com a sua deliciosa torta. Atônita, ela respondeu prontamente que, não tinha falhado nem um dia e, que, certamente, algum larápio estava roubando, E, acrescentou: " Faça uma tocaia, que você vai pegar o engraçadinho" e, entrou. para seus aposentos.
E, foi o que fiz, e, qual não foi a minha surpresa quando flagrei o gato siamês da Sra. Clotilde devorando a torta com requintes de um paxá? Ah, então era isto que estava acontecendo. Antes do raiar do dia, ele escapava do casarão e vinha roubar o meu sustento. Isto não podia continuar, disse a mim mesmo. É urgente tomar uma posição e, decidi, de que era hora, de dar uma lição no maldito felino .
Na manhã seguinte, deixei um vão na janela e munido de um saco de estopa, esperei pelo esperto bichano para flagrá-lo com a mão na massa, ou melhor, na torta.Alguns minutos se passaram, quando, escutei suas suaves patas deslizarem pela tabua do batente da janela. Num átimo, abri-a e, com um movimento brusco das mãos agarrei-o pelo pescoço, apertando o máximo, para que ele não miasse, chamando a atenção de sua dona.
Por algumas horas, deixei-o preso no saco, onde ele arranhava e tentava rasgá-lo. Assim, permanecemos até a hora do almoço, quando decidi, que alguma coisa, teria que ser feita e, era, urgente.


O DESFECHO


Só encontrei uma solução para o desfecho do entrevero: MATAR o gato.
Com uma machadinha amolada degolei o bichano e, para, não deixar provas, cozinhei-o na panela de pressão e, o degustei, com requintes de paxá, acompanhado de um martelo de pinga "Matosinho". Por vários dias a Sra. Clotilde saiu à procura do gato pelas ruas e casas, prometendo um quantia vultuosa para quem o achasse e o devolvesse.
A vida para mim, voltou à ritina diária. Toda manhã, ia até a janela e pegava a torta que a prestimosa Sra Francelina me oferecia.
Da Sra. Clotilde, devo dizer que após alguns meses de dores inconsoláveis, substituiu o bichano por um Coronel, dono de muitas terras.
Ah, ia me esquecendo, faz dois dias que não acho a torta. Tem um maldito gato que chegou de fora. O melhor a fazer é preparar a panela de pressão e, comprar outra garrafa de pinga.





Um comentário:

  1. Interessante o desfecho. Qual será o final do próximo capítulo? Quem sobreviverá?

    ResponderExcluir