Madrugada alta, silente e desprovida de vida.
Caminho pelas vielas em busca do quê?, não o sei precisar.
Sou um viajante que não têm bússola, nem mesmo um sextante,
Mas, para que tê-los, se me falta o norte?
O sereno umedece os cabelos encanecidos e embaraçados.
Sou tudo aquilo que nunca quis ser, porém, acabei sendo: um pária.
Trôpego, arrasto os passos por dentre as poças sujas e fétidas.
Nem um vivente se mostra dentre os casarões seculares: esqueletos frágeis.
Talvez, já se tenha passado um século, e, eu, ainda estou, solitário.
Arre! dentre os vãos de um portão coberto pela ferrugem assoma um focinho,
Sim, um focinho arreganhado, mostrando caninos amarelos, sujos e nauseabundos.
Ajoelho-me na sarjeta repleta de entulhos e, olho longamente, para o ser, que me olha.
Cara a cara, ou melhor, focinho a focinho nos contemplamos, raivosos, um do outro.
O esquálido cão late, para mim;
Eu, ser inerte, lato, para o cão;
Assim, latindo, ora um, ora outro, ficamos, por uma eternidade.
Lato: auauauauauauauauauauauauauau...
Late: auauauauauauauauauauauauauau...
Rosno: rsrsrsrsrrsrsrrsrsrsrsrsrsrrsrsrsrsr..
Rosna: rsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrr...
Grunho: grhgrhrgjrhrgrhrgrhrgrhrgrhrgrh...
Grunhe: grfhfghsgdfdrehdferddheregdeb...
Neste estranho e áspero diálogo permanecemos até que:
Até que um gato intrometido se pôs ao nosso lado e passou a rosnar com ferocidade:
Pelos eriçados, bigodes trêmulos, unhas aduncas à mostra, dentes luzidios, nos enfrentou.
Em instante estávamos os três; três seres agoniados se digladiando, numa batalha perdida.
Eu, o cachorro e o gato, nos víamos como seres antagônicos; seres sem sombra, sem vida.
Uma coruja pousada na cruz da Matriz piou indolente;
Um pardal assomou a cabeça do ninho e riu do trio de almas inertes;
Uma minhoca rastejou e serpenteando o corpo se afastou dos agoniados.
A Lua se escondeu de nós, dentre nuvens fantasmagóricas.
Ao ouvirmos o som das badaladas do sino, nos separamos do encontro; do feitiço.
O cachorro, rabo dentre as pernas se recolheu para seu canto de tristezas:
O gato, miando em sussurros, pulou para cima de um muro e desapareceu.
Eu, chorando em prantos convulsivos, saí, para continuar a "via sacra", em direção ao NADA.
Um encontro de agoniados...Que agonia!
sexta-feira, 23 de junho de 2017
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