14.
Saber que será má a obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos,fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. Essa planta é a alegria dela, e também por vezes a minha. O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou me não basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida.
Um tédio que inclui a antecipação só de mais tédio; a pena, já, de amanhã ter pena de ter tido pena hoje - grandes emaranhamentos sem utilidade nem verdade, grandes emaranhamentos...
... onde, encolhido num banco de espera da estação apeadeiro, o meu desprezo dorme entre o gabão do meu desalento!...
... o mundo de imagens sonhadas de que se compõe, por igual, o meu conhecimento e a minha vida...
Em nada me pesa ou em mima dura o escrúpulo da hora presente. Tenho fome da extensão do tempo, e quero ser eu sem condições.
15.
Conquistei, palmo a pequeno palmo, o terreno interior que nascera meu.
Reclamei, espaço a pequeno espaço, o pântano em que me quedara nulo. Pari meu ser infinito, mas tirei-me a ferros de mim mesmo.
LIVRO DO DESASSOSSEGO
FERNANDO PESSOA
CIA. DAS LETRAS
2006
sábado, 28 de novembro de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário