sábado, 21 de novembro de 2015

O CIMO DA MONTANHA


Por um tempo que não sei precisar fiquei deitado no sopé da montanha. Estava extenuado pela penosa caminhada que vinha fazendo desde que deixei de existir como homem e resolvi me transformar em um lagarto. Não sei explicar o porquê de escolher um réptil para me substituir como humano. Pensei algumas vezes em me transformar em aranha; escorpião; sapo e até, acreditem, em minhoca.Mas, assim, que deitei no sopé da montanha me fiz lagarto e, procurei me esconder do sol abrasador entrando num monte de folhas e gravetos ressecados. Até o cair da noite, descansei, recuperando as forças perdidas na longa peregrinação. Para matar a fome e a sede devorei alguns tolos insetos que passavam por mim, me ignorando como se eu continuase a ser aquele ser insiginificante de um dia atrás. Quando o sol raiou eu iniciei a subida até o cimo da montanha me rastejando e machucando o ventre com os pedregulhos ponteagudos que cobriam os trilhos feitos por algum outro animal. A dor não me incomodava. Incomodava sim, o calor abrasante que tostava o meu corpo e me fazia silvar de sede. Por um certo tempo, voltei ao estágio de "homo sapiens" e calculei, agora de pé, a distância que ainda faltava para atingir o meu intento. Como "humano" dei algumas passadas, porém, em segundos me dobrava para trás e perdia o terreno conquistado. Banhado de suor, pensei comigo: "estou vivendo a mesma maldição de Sísifo". Já, no estágio de lagarto venci umas dezenas de metros e cansado, me enfurnei numa toca de tatu para me refrescar e passar a noite. O dia amanheceu claro e fresco. Aproveitei a ausência do sol e rastejei até o cimo da montanha e, lá cheguei,estropiado e alquebrado... Um homem-lagarto desprovido de sensação e vontade de viver. Num breve sacolejar do corpo doído e lanhado, me despedi do lagarto com uma leve carícia no seu dorso frio e luzidio e me fiz homem novamente. A metamorfose não durou mais que alguns décimos de segundo. Estático, permaneci até que o sol se pôs e a Lua me inundou com seus raios argênteos. No lusco-fusco da noite visualizei uma pedra que se projetava para o abismo e nela eu imaginei ver (miragem?) uma prancha de piscina que estava um pouco acima de um mar azul e plácido. Achando que um mergulho nas águas tépidas me fariam desistir da intenção de me suicidar pulando no vazio abissal que se descortinava perante mim (alguns minutos antes) trepei na pedra, ou melhor, na prancha e mergulhei de encontro ao embate sensual das águas. Por algumas horas me vi imergindo num mar sem fim. Uma aragem fresca refrescava o meu corpo e continuei imergindo... imergindo... imergindo. Até que, alcancei o fundo e só então me dei conta de que estava grudado num terreno seco, árido e escaldante. Tentei emergir, mas, os braços e pernas não reagiam. Aos poucos a vista foi se turvando e deixei de enxergar. O tempo que passou não sei calcular. A noite e o dia se foram e outro dia chegou e, então senti sobre o meu corpo despedaçado o andar sacolejante de um lagarto que pouco a pouco me devorou. Quando me senti dentro do estômago do réptil agradeci a "quem quer que seja" que me deu este destino... O destino de rastejar ao invés de andar como um homem.
E, tudo aconteceu, no cimo da montanha.

Nenhum comentário:

Postar um comentário